segunda-feira, 12 de março de 2012

Um mestre do bom humor


Um dos personagens mais marcantes de Frei Paulo chama-se Jofre Nunes. Era engraçado sem ser palhaço, possuía um senso refinado de humor e conhecimento de vida adquirido durante sua permanência no Rio de Janeiro onde morou por muitos anos. Um dos maiores prazeres que eu tinha era quando ouvia alguém dizer: Jofre está na cidade. E foram muitas as suas visitas até se mudar para Frei Paulo definitivamente no início dos anos 80. Era um cara muito ilustrado, bem humorado, inteligente e obcecado por palavras cruzadas.
O seu ponto era ali na praça em frente à farmácia de Faroaldo, ele chegava falando com o grupo que ali se reunia, brincava, fazia ironias, pilhérias e depois se concentrava no seu mundo particular, decifrar os enigmas dos coquetéis da vida, claro aqueles que vinham com a palavra “difícil”. Era um crítico mordaz, de tudo e de todos, mas também amigo e solidário, por isso era muito admirado por todos.
Ele chegava sempre com seu fusca semi-novo e logo um grupo se formava para ouvir as histórias do ilustre visitante, sempre sorridente e com uma piada na ponta da língua. Quando a nossa turma se aproximava dele fazia perguntas para testar “conhecimentos gerais” e quem matava as charadas era prendado com um sorvete da sorveteria do Natan. Aliás, esse sorvete ganhou fama em todo o território nacional, é de fato muito gostoso e apreciado por turistas. Os mais preparados, o seu sobrinho Gilmar de Dezinho, Sergio Santos e eu, adorávamos essa sabatina.
Mas um dia ele resolveu ir morar definitivamente em Frei Paulo, deixou o Rio de Janeiro e constituiu nova família, passou então a ser representante do jogo do bicho em Frei Paulo, e, também perdeu aquele ar de importância, enquanto se incorporava à rotina da cidade. Alugou uma casa no Beco do Talho, e dividia seu tempo entre a leitura e as cruzadas e na rua as anotações do jogo do bicho. Ele era um fumante contumaz, devorava diariamente vários marços de cigarro Continental, isso minou sua saúde.
Suas tiradas eram desconcertantes,certa feita ele comia um pão doce e uma distinta senhora o abordou: "Mas Seu Jofre, um homem como o senhor comendo na rua?" Ele deu um sorriso e respondeu: "Será que vou ter que alugar uma casa para comer um pão?"
Jofre passava na avenida, mascava alguns caroços de abóbora o que dava a sua saliva uma consistência encorpada e disparava uma cusparada que alcançava uns cinqüenta metros, sem exagero. A pontaria também era infalível. Ele me disse que no Rio era campeão de cuspe à distância, não duvidei e fiquei admirado com aquilo, jamais havia visto tamanha façanha. Era apaixonado por jogo, falava com empolgação das corridas de cavalo e disse que já apostou até em corrida de cachorro. Encarava o jogo do bicho como profissão, todos os dias ia para Itabaiana levar as apostas no seu fusca de cor laranja.
Certa vez em uma visita a Aracaju sofreu um acidente de carro e quebrou a perna, muito pensavam que era o seu fim, já avançado na idade fadado a ficar numa cama, só fumando. Estavam enganados, mesmo de perna engessada, subia numa bicicleta monareta e pagava os moleques para empurrar por toda cidade, em alta velocidade descia a Rua de Itabaiana e mergulhava na curva da praça. Ele fazia isso com a maior naturalidade. Na porta da farmácia sentava confortavelmente numa cadeira e lia Papillon, às vezes interrompia a leitura para contar a sabedoria do presidiário para fugir da ilha no saco de côco. Narrava a historia como um grande orador. Ele informou que no Rio já trabalhou dublando filmes.
Os anos foram passando, mudou-se para uma casa na Praça da Feira, Jofre cada vez mais debilitado, mas mesmo assim não abandonava as brincadeiras e o bom humor, magro e abatido, arquejando já não era mais o mesmo, de sua geração quase nenhum mais era vivo, viu os filhos da nova família ficarem rapazes. Colocaram nele o apelido de Hailander, talvez provando do próprio veneno, pois nas palavras do velho Jofre superabunda o sarcasmo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário