segunda-feira, 26 de março de 2012

As aventuras de um ás da FAB


De fato, não era um sonho, eu ouvi o som daquele avião. Numa tarde como outra qualquer de minha infância. Se não fosse uma emergência dava para bater uma fotografia aérea. Naquele instante, lá estava plácida a cidade de Frei Paulo como jamais tornará a ser, dona de um tempo inesquecível de nossas vidas. A gostosa rotina entre o Educandário Imaculada Conceição e a humilde casa de platibanda no Beco do Talho. Eu estava exatamente ali na sala debruçado à mesa de fórmica, adquirida com tanto esforço por minha mãe. Estava sobre a mesa, um caderno de dever retangular, com sua capa azul e folhas de papel pautado, onde anotava-se o dever de casa passado por minha professora D. Iraci. irmã de outra mestra D. Inês, elas são filha de D. Caçula, mestra tarimbada reconhecida como grande educadora dos freipaulistanos. O dever era de geografia e ali eu tentava decorar a resposta a essa pergunta: O que é um Cabo? Cabo é uma faixa de terra que avança para o mar. No meio daquele mundo de descobertas, afinal a professora naquele tempo ensinava todas as matérias, menos aviação.
Tal qual no poema de Ferreira Gullar, o avião passou rasante sobre meu telhado, voando baixo. Naquele tempo eu já era apaixonado por aviões, as aeronaves exerciam em mim um grande fascínio, mas que só víamos nos filmes sobre a Segunda Guerra no Cine São Jorge na rua Getúlio Vargas, verdadeiro patrimônio cultural destruído e esquecido, que poucas gerações tiveram o privilégio de desfrutar. Foi ali que aprendi a gostar de voar.

Aquele era um avião de guerra, ele singrava os céus de Frei Paulo, voando baixo e dando aquele sinal de emergência. A cidade inteira ficou em polvorosa com tão inusitado fato. Era 03h30min da tarde, quando o piloto percebeu que estava fora da sua rota, então começou a sobrevoar Frei Paulo em círculo, hora descia em direção à Av. José da Cunha, hora à Praça da Feira. Naquele tempo as estradas eram de piçarra Logo deu pra perceber que se tratava de uma situação de emergência. A maioria das pessoas da cidade passaram a viver aquele momento como se assistia a uma cena de filme.
O tempo passava muito rápido e logo já era fim de tarde e o avião não parava de roncar sobre nossos tetos. Muitas mulheres foram para a igreja rezar, pedir pela vida do piloto. Esse avião ficou conhecido como "queima panela", a confusão foi tanta que as mulheres largaram seu afazeres domésticos para viver aquela aventura.
Já era noite quando o tenente aviador de nome Luis, tentou pousar na praça da feira. mas, como não havia espaço arremeteu.
Numa última e arriscada tentativa, desceu em uma rua de piçarra na saída da cidade, na estrada que vai para Itabaiana, depois da Praça da Feira. Passou entre dois postes, e ainda tocou uma das asas, mas conseguiu pousar incólume indo parar ali onde atualmente é o posto de gasolina. Quando a poeira baixou lá estava ele com seu nariz apontado para a Imbira.
Corri feito louco no meio da nuvem de poeira vermelha, queria ser o primeiro a chegar, quando me aproximei do avião, toquei nele, fiquei perplexo ao ver suas metralhadoras nas asas e o nome FAB na fuselagem. Em meio à poeira vermelha, desceu um rapaz alto, de olhos azuis. O seu nome era tenente Luis, não esqueço, vinha de Cipó da Bahia e teve problemas durante o vôo, uma pane de localização. Estava perdido. Foi um verdadeiro milagre, o avião teve que ser desmontado, pois não tinha como decolar naquela pista tão curta.
. Luizão foi quem indicou a pista com os faróis de seu carro, conseguiu sinalizar para o piloto realizar a aterrissagem forçada. Também outra cena cinematográfica foi quando uma linda jovem aproximou-se do piloto e disse: "um rapaz tão jovem quase perder a vida aqui neste sertão." As lágrimas rolaram do rosto do aviador. Essa linda jovem de feições nórdicas, era Marta de Ranulfo, a miss cenecista que deixou o piloto admirado com sua beleza. Por incrível que pareça, esta é uma história real. Gente vinda de outras cidades ficava surpresas ao se deparar com aquele avião, ali era rota dos caminhões pau de arara e eles estacionavam em fila e seus ocupantes não paravam de olhar o avião, era um movimento constante dia e noite. No dia seguinte, outro avião desceu em Frei Paulo,desta feita, um teco-teco, pousou no mesmo local com oficiais da Aeronáutica que vieram a Frei Paulo para realizar as investigações do acidente aéreo. Nunca se viu tanta movimentação e novidades. Nas conversas que adentravam a madrugada tecendo lhoas ao piloto e sua indiscutível habilidade. Dava-se as mais absurdas versões. Coisa do destino. E olhe que esse não é o primeiro avião que faz um pouso dessa natureza, o outro que sofreu uma pane nos anos 50 e pousou na Avenida José da Cunha foi quase todo destruído com golpes de foice por Rosendo de Catita causando um baita prejuízo.

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