sexta-feira, 23 de março de 2012

“Por que não deixam o homem terminar o seu eito”


Meu pai cultivava muitas amizades, e dentre os seus melhores amigos estava o ex-deputado estadual Napoleão Emídio, um caboclo sertanejo muito respeitado por essas bandas. Meu pai era apaixonado por pescaria e o amigo Napoleão em sua fazenda possuía os melhores tanques, cheios de peixe. Isso porque ninguém ousava roubar peixes de seus tanques, se o fizessem iriam comer capim pela raiz. Muitas vezes fui com meu pai pescar e o resultado era sempre o saco cheio de peixe. Traíras bonitas pescadas na linha de fundo preparadas à milanesa por minha mãe.
Sua casa ficava na praça da matriz, mas suas idas a Frei Paulo eram raras, vivia mais na fazenda que fica na estrada que vai para Carira. Às vezes, aos sábados, dia de feira ele chegava com seu motorista em sua Veraneio e saia pelas ruas a cumprimentar os amigos entre eles, João Teles, Zé Correia, Seu Bastos. Dr. Rubens, Zé Fradinho, Paulinho da Farmácia, Seu Hilarino, Justiniano, Fleorí, Seu Batista, Vado, Daniel Paixão, Avelino, Mané de Lunga, Paulo Costa entre outros. Era um mulato que pelo tipo físico e pela feição lembra Luis Gonzaga o Rei do Baião.
Um dia na sede de sua fazenda eu e meu pai tivemos a honra de conhecer sua coleção de armas. Um quarto na grande casa da Fazenda tinha nas suas paredes todo tipo de armas, que se pode imaginar. Uma coleção valiosíssima. Ele era calado, homem de poucas palavras, mas de ações enérgicas. Muito respeitado na cidade. Um dia, em outra visita a sua fazenda, foi atencioso comigo mandou me servir uma umbuzada que na minha vida nunca provei igual, era puro néctar da fruta, colhida na hora e preparada com muita mestria pela sua cozinheira.
No ano de 1955, no governo de Leandro Maciel, a política por aqui era regada a discussões acaloradas e também atitudes violentas, naquela conjuntura os políticos eram alvo de brigas e disputas mortais. Foi nesse contexto que Napoleão Emídio atuou na Assembléia Legislativa de Sergipe. Era um homem de posições firmes e decidido. Um exemplo claro disso é este depoimento do desembargador Artur Oscar de Oliveira Déda: “Conheci um deputado procedente de Frei Paulo que passei a admirar quando ouvi o relato de um gesto simples seu, mas que, para mim, revelador de elevação espiritual. Aconteceu depois da redemocratização do País. Contaram-me que estava na ordem do dia a cassação do mandato de Armando Domingues, eleito pelo Partido Comunista do Brasil, que fora posto na ilegalidade. Armando Domingues era um bravo parlamentar esquerdista, médico humanitário, orador fluente e, sobretudo, um homem de bem. O seu colega de Frei Paulo somente o repetia no último atributo mencionado. Sim. Napoleão Emídio era um caboclo sertanejo, trabalhador, honesto, sisudo, religioso, que não sabia fazer discurso, mas cuidava muito bem das suas fazendas e dos interesses do povo que representava. Tudo o levaria a considerar, sem o mínimo constrangimento, a saída do colega que rezava por cartilha tão diferente. Deu-se, porém, o contrário. Aconteceu a inesperada prática da solidariedade política, independentemente de facção. Houve o belo gesto! Naquele dia nefasto, o deputado que não falava, que não abria a boca para dizer coisa alguma, resolveu falar. E o fez da maneira como falam os sertanejos acostumados ao amanho da terra: “ – Por que não deixam o homem acabar o seu eito?!” Numa frase curta e simples, a revelação de um caráter íntegro. Depois que ouvi contar essa história singela, passei a considerar o deputado Napoleão Emídio como realmente merecedor da minha estima pessoal.”
Homens de comprovado tirocínio político, Napoleão Emídio, e Djenal Tavares Queiroz, são referência da excelência de caráter. de homens públicos sergipanos que alcançaram projeção, tendo como características indeléveis a honradez e dignidade. Orgulho para os filhos de Frei Paulo, para Sergipe e para o Brasil. Atributos cada vez mais raros entre os políticos da atualidade.

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