segunda-feira, 26 de março de 2012

Arquétipos do inconsciente sertanejo


Quando a noite cai, cadeiras são colocadas na porta, em quase todas as ruas viam-se grupos reunidos e os contadores de estória entravam em cena. Eles conseguiam criar suspense contando estórias de trancoso, um antigo costume. Muitos eram exímios contadores de estória. As estórias eram de reis e também as artimanhas de Pedro Malazarte, faziam parte do repertório e não podiam faltar as de lobisomem, luzernas, mulas sem cabeça, visagens, essas eram narradas com se fosse uma verdade absoluta. Na hora de ir pra casa, o medo tomava conta dos ouvintes. Bem-te-vi que morava na avenida era um desses contadores de história. Como ele, haviam muitos. Ouviam-se essas histórias com muita atenção eram verdadeiros arquétipos do inconsciente sertanejo que causava influencia no comportamento.
Eu na verdade nunca me impressionei muito com essas estórias e preferia seguir para a papelaria Brotolândia e com alguns trocados no bolso gastar com figurinha, nunca fui de preencher um álbum, pois acabava perdendo tudo no jogo do barrufo. Ali na porta da prefeitura toda noite uma turma se reunia para apostar figurinha no barrufo. João Bolinha, Dudu, Celso de Zé Pequeno. Às vezes eu ia para casa com a mão ardendo e rouco de tanto gritar “barrufo” a palavra já estava tão gasta que falávamos apenas “rufo” para ter a vez de barrufar. João Bolinha tinha uma técnica apurada para virar centenas de figurinhas numa barrufada só. Aquilo era cruel.
Uma das coisas mais gostosas que me lembro era correr atrás do carro da figurinha e sair juntando envelopes e envelopes, aquilo era uma das melhores coisas das vida. Quando somos criança, a visão do mundo é bem diferente. Tomava guaraná. No dia que provei um pouco de cerveja eu cuspi e disse: que coisa horrível, e pensei comigo mesmo, como são estranhos esses adultos, gostam tanto do que não presta. Toda noite enquanto jogávamos via seu João Teles confortavelmente sentado na varanda de sua casa tomando uma fresca, ele era o prefeito e o pai de João Bolinha. Uma figurinha difícil era trocada por um bolo das mais fáceis. Eu sempre guardava as mais raras para tentar recuperar as perdidas no jogo.
No tempo de caju, o jogo era o nove no baralho, ali na porta da prefeitura apostávamos castanha, o banqueiro João Bolinha tinha um saco cheio delas e as partidas duravam até umas dez da noite quando Seu João Teles mandava o filho entrar. O jogo com castanha tinha também outras modalidades. Como por exemplo, o castelo, um jogo no qual atiramos castanhas numa outra castanha de preferência bem grande. Esta era chamada de castelo. Quem tocar no castelo leva todas que estão ao seu redor. Jogava muito ali mesmo no coreto e os parceiros eram sempre os mesmos Bento de Diógenes, Geraldo de Mané Bonzinho, Escorrego, Carneiro Brabo, Sérgio de Batista, Gilmar de Desinho o Neguinho de Zé Cutelo, entre tantos outros.
Enquanto muito se entretém com as estórias, outros buscavam diversão nas redondezas, como por exemplo, o concorrido Forró de Cadeco na estrada da “Grota Funda”, onde as danças e a cachaça farta varavam a madrugada. E aqueles ainda mais afoitos iam para a Jaqueira, a casa da luz vermelha que ficava na Ladeira na estrada que vai para o Tanque dos Cavalos. Quanto às estórias, esses arquétipos ficam guardados no Inconsciente coletivo até que algo os desperte e os faça ressurgir seja em prosas ou em versos ou na boca do povo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário