sexta-feira, 25 de maio de 2012

Um mago da prosperidade


Como vovó já dizia, mesmo que o inverno fosse fraco, as roças de Chiquinho do Sal prosperavam. Esse nasceu com uma estrela. Um comerciante nato, sua trajetória valiosa, lendária. “O homem mais rico de Frei Paulo”, ainda pequeno recordo os comentários. E lembro muito bem dele em seu casarão na Av. José da Cunha. Era um homem que saia pouco e sua aura de ricaço permitia sair desfilando com seu opala comodoro branco. Falavam que ele enriqueceu vendendo sal, o que acho pouco provável, afinal esse não é um produto de grande valor agregado. Sua fortuna não surgiu do dia para a noite, foi uma vida inteira de trabalho. Ele era muito pobre e humilde, natural de Itabaiana, escolheu Frei Paulo para fincar suas raízes. Casou-se com Edite Alves, Dona Caçula, uma senhora muito zelosa que soube educar e criar os 12 filhos de Chiquinho do Sal. Era um homem respeitado pelo seu empreendedorismo e enquanto expandia seus negócios comprando terras e aumentando seu rebanho, não faltavam convites para participar da vida pública de Frei Paulo, mas ele nunca aceitou participar da política, pelo menos diretamente, sua participação era sempre nos bastidores. Participava da vida econômica e política do município com muita discrição, aliás, isso sempre foi sua marca registrada. Foi um homem que ajudou muito a desenvolver a economia do município. Era às vezes invejado pela sua aura de milionário.
A agência do Banese de Frei Paulo, reinaugurada no terceiro mandato do governador João Alves, leva o seu nome, numa justa homenagem a esse produtivo cidadão. No passado havia apenas sete agencias no interior do estado e sua fundação teve sua efetiva contribuição. Ele fez na época vultosos depósitos na agência, carreando recursos seus de outras cidades, conseguindo assim a liberação do Banco Central para a agência funcionasse. Ele teve essa preocupação porque sabia que sem a presença do Banese a cidade seria muito prejudicada em seu desenvolvimento. Por coincidência seu neto, Francisco Neto ocupou a diretoria do Banese por muitos anos fazendo um grande trabalho em prol daquela instituição financeira. Afinal como dizia o próprio avô que detinha muita sabedoria no trato com as finanças: “O mundo é dos otimistas” E era ele um exemplo de otimismo, um homem que amava desafios e que nunca levou em conta a palavra “crise”. Acreditava na força do trabalho e com isso, vivendo honestamente e sem opulência ajudou a consolidar o progresso da cidade. Outra grande riqueza que conquistou talvez a mais gratificante foi a virtuosa família que constituiu. Chiquinho do Sal sempre foi um símbolo da prosperidade e inveja, ele tirava de letra, afinal nada melhor do que sal grosso para cortar esse mal.

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Um ser humano notável


Frei Paulo sempre foi uma cidade naturalmente vocacionada para a educação. Um berço da intelectualidade sergipana. E em meio aos seus filhos mais ilustres, um se destacou pelo seu empenho em compartilhar o saber, e o fez de forma voluntária e abnegada. Esse homem chama-se José Antônio de Andrade Góes. Ele nasceu em meio a um mundo que poucas oportunidades oferecia a seus habitantes, mas com sua bravura, mostrou que é possível vencer. Vitorioso na área que abraçou o Direito, galgou todos os postos e chegou ao topo da carreira de jurisconsulto, assumindo o cargo de presidente do Tribunal de Justiça de Sergipe.
Sua história se confunde com a de tantos outros nordestinos que nascidos em meio à pobreza, vislumbraram novos horizontes e através da educação conseguiram, além de vencer na vida, escrever uma bonita página na história, ajudando a muitos, numa demonstração de desprendimento e devolutório senso humanitário. Ele sempre demonstrou muito amor a sua terra natal e a seus conterrâneos. Foi um homem generoso, inteligente e dedicado, bastava saber que se tratava de algum filho de Frei Paulo e logo se prontificava a ajudar. Que o digam seus ex-alunos do curso de Direito da UFS, onde ele moldou algumas gerações na condição de professor de Direito Civil por 21 anos, a mesma matéria ensinou também na Unit.
Em nossa cidade, ele também lecionou voluntariamente na Escola do Ar, um precursor dos Tele cursos, onde jovens que não tinham condições de continuar seus estudos eram beneficiários. Minha irmã Erta Bastos, não poupa elogios a esse sábio e devotado mestre. Um homem de inestimável valor para a formação intelectual de muita gente que hoje se destaca na sociedade sergipana.
José Antônio de Andrade Góes, filho de Gumercindo Góes e Elizete de Andrade Góes, nasceu no dia 11 de fevereiro de 1943, no município de Frei Paulo, e bacharelou-se pela Faculdade de Direito de Sergipe, em 1966. Casado com Solange Moraes de Góes constituiu uma família com três filhos e seis netos. Iniciou a sua carreira de magistrado em janeiro de 1970, quando foi empossado Juiz de Direito da Comarca de Tobias Barreto, após obter a segunda colocação no concurso público realizado pelo Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe.
Tomou posse na presidência do Tribunal, em 2001, mas até hoje é lembrado com muito respeito pelos seus amigos e colegas do poder judiciário de Sergipe. O cargo de Desembargador ocorreu com base no critério de merecimento, em novembro de 1994. Nesta condição, exerceu os cargos de Corregedor Geral da Justiça (1997), Presidente do Tribunal Regional Eleitoral (1999), Diretor da Escola Superior da Magistratura do Estado, Diretor da Escola Permanente de Corregedores Gerais do Brasil, Vice-Presidente do Colégio Nacional de Corregedores do Brasil e Vice-Presidente do Colégio de Presidentes dos Tribunais Eleitorais do Brasil (1999).
Outros aspecto relevante da carreira jurídica de José Antônio de Góes é sua honestidade e isenção muito bem sintetizado nas palavras de meu irmão Carlos Alberto que foi seu aluno no cursos de direito da UFS: "De tudo que foi dito acima, faltou uma qualidade que deixava todas as outras muito atrás: a ¨honestidade¨. O senso de Justiça de Antônio Góes era de causar a mais profunda admiração para quem esta qualidade valoriza. Ele não queria saber nem nome nem sobrenome de qualquer das partes. Sua isenção era absoluta, coisa que não acontecia com muitos Juízes com quem eu convivi na época".
Frei Paulo é uma cidade pródiga em homens de grande valor, deu a Sergipe importantes nomes que ajudaram decisivamente a edificar sua história com civilidade e porque não dizer com pluralidade, destacando-se em muitas áreas: na política, na cultura e no conhecimento. São homens como esse, de grande valor, que as futuras gerações devem se inspirar, eles com seus talentos e suas lutas, imprimiram seu idealismo e deixaram sua marca no tempo. José Antônio de Andrade Góes é um desses valores que enobrece nossa cidade. Um exemplo de vida, um mestre sapientíssimo, mas antes de tudo, um exemplo de ser humano notável.

terça-feira, 22 de maio de 2012

A alegria dos tizios


"Não os vejo há muitos anos, eles são lindos. Mas lembro-me muito bem” Assim se referiu uma adorável amiga freipaulistana, de priscas eras, ao comentar uma frase que cunhei em uma página das redes sociais. Seu nome Ilza Santos, uma moça que para mim tem aquele mesmo rostinho que vi pela última vez há mais de trinta anos. Guardo sua telúrica imagem vestida com as roupas do ginásio Cônego Madeira passando fagueira pelas ruas, diligentemente com seus livros nos braços na doce companhia das amigas, num tempo que suas mais ousadas intenções eram tão puras como a luz da manhã.
A cidade tinha outro ritmo, mas tudo nos levava a uma dimensão grandiosa. O Mercado na Praça da Feira exalava seu cheiro de verdura e carne e as pessoas que habitavam aquele mundo que agora parece pertencer a um romance como os de Garcia Marques, reverberavam por todos os becos ruas e esquinas. O pai dessa moça passava em sua bicicleta, desviando das poças, de forma cortez a cumprimentar seus patrícios.(como se a água agora não fosse a coisa mais importante do mundo) Seu nome era Zé Vermelho ou “Vermelhaço", era um dedicado funcionário da Deso que ganhou esse apelido pelo aspecto corado de sua face.
Frei Paulo não tem ninguém que não seja de ninguém, os apelidos e filiações aos ancestrais, é algo curioso que não costumo ver na neurose do dia a dia estressante da vida urbana. Aqui ninguém é de ninguém. Pra falar a verdade preferia mil vezes aquele mundo. Nele não só havia a riqueza de amizades sinceras e verdadeiras, e ainda a natureza nos brindava com espetáculos maravilhosos. Vivendo num mundo sem grandes ilusões, mesmo castigados a maior parte do tempo pela seca cruel que nos impunha tanta dor e fome. Os cenários eram desoladores, paisagens mortificadas pela inclemente insistência do astro sol, um armagedon da vida e da morte. E que aventura é viver. E que incerteza é morrer.
Toda vez que sinto cair do céu os pingos da chuva, lembro que algo se transforma dentro de mim. A minha memória me remete às lindas paisagens dos tanques sangrando,dos sapinhos de rabo nos córregos, do preguiçoso gado gordo nos pastos. Recordo com saudade da alegria contagiante dos pássaros doidos no ceu cinzento, atonitos de tanta felicidade e tanta fartura. Começo a sonhar, e volto aos caminhos do açude, é como se reconstituísse cada passo, cada cheiro e cada sensação. É algo que com palavras parece impossível descrever. Algo diferente acontece dentro da gente, numa manhã de inverno no sertão. Em meio às extensas capineiras, de onde brotam voluntariosos pendões carregados de sementes, dezenas de tizius brincam em vôos desconcertantes e ousadas acrobacias, num festival de contentamento e alegria jamais visto.
É assim que me sinto, exatamente como os tizius, hora preto hora pardo, tento me livrar das pedradas da vida. Mais feliz ainda, quando uma frase como essa de Ilza, ou até mesmo a simples palavra tizio, remete para o meu mundo perdido no tempo e no espaço. É como se a natureza tivesse em mim completando mais um ciclo. Dando-me a gratificante oportunidade de reviver, ao lado de meus contemporâneos, meus inesquecíveis idos e vividos. Esses na sua exata dimensão.

terça-feira, 15 de maio de 2012

A Calçada Alta


Os carros de ladeira marcaram época na minha infância, eram feitos de madeira e alguns mais sofisticados, tinham o designer que lembrava os Sincas Chambord ou os Aero Willys, com rabo de peixe e tudo que tinham direito. A concentração era sempre na Calçada Alta. A turma chegava com seus carros e tomávamos aquele atalho no sítio de Paulo Matos e em frente à malhada de Quebra Santo era a largada. A descida durava pouco mais de um minuto, mas era emocionante, alcançávamos velocidades incríveis e eram possível algumas manobras. Bastou um olhar malicioso de Falti e os modelos, já equipados com rolimans, quebravam a barreira do som. A arriscada manobra de retomar o atalho do sítio de Paulo Matos resultava em capotagens espetaculares. Com direito a pés espetados nos espinhos do juá ou da magestade o mandacarú. Quando lembro sinto calafrios.
Essa vereda é a ladeira mais íngreme de Frei Paulo e também era rota dos burros de carga e do gado que migrava de uma fazenda para outra. Esse manejo com o gado está ligado à escassez de alimentos provocado pela seca a qual nos acostumamos a conviver com ela.
Alheio aos dramas vividos pelo gado pensava apenas em nos divertir. A volta era sempre penosa, esta sim era um sacrifício subir a ladeira até o topo para desfrutar de nova corrida. Era um vai e vêm incessante somente interrompido pelas boiadas ou comboios de burros, esses eram constantes transportando cachaça do alambique. As manhãs e as tardes passavam como um raio, mal dava conta do tempo e o crepúsculo nos envolvia com meus milhares de tons alaranjados no apocalíptico espetáculo do cair da tarde. Revoadas de briós e vira-bostas passavam sobre nossas cabeças e tomavam o rumo do tanque de Seu Silva.
Antes de cessar a brincadeira já cansados voltávamos para a Calçada Alta e ali, sugeriam uma ida até o Tanque dos Cavalos, somente aquelas ovelhas desgarradas topavam a empreitada. Muitos hesitantes olhavam a ladeira e balançavam a cabeça. Meninos comportados voltavam para suas casas e o outro bando seguia para as algazarras e aventuras nas águas barrentas. Salto ornamental do topo da baraúna causava emoções fortes. A turma era da pesada Bento de Diógenes, Airton de Nicinha, Escorrego, Beto de Joaninha, Galego de Ranulfo, Bufa, Geraldo de Mané Bomzinho, Celso de Zé Pequeno, Tarzan, Geraldo de Zé de Donozor, Dudú, Sérgio de Batista, Dailton, Galego do Tanque, Walter de Zezé Barbeiro, Gilmar de Dezinho entre tantos outros.
Na volta para casa, preocupação em tirar o aspecto fubambento da pele, resultante daquela mistura de leite, óleo de motor e lama. Nova reunião na Calçada Alta definia o que se faria de noite. Os que estudavam apareciam em turnos vespertinos outros vivenciavam o dia inteiro as incansáveis brincadeiras, “Mãozo”, “Pé em Barra” e outras mais pesadas como “Estados Unidos” Nessa podia-se dar tapas bem forte na cara de quem sentar-se sem falar a palavra passe: Estados Unidos. A Calçada Alta pertencia à casa colonial de Helena de Senhor de Cazuza, apesar da barulheira, nos tolerava em seu histórico oitão.
Dali da Calçada alta a vista é privilegiada, o grupo entre brincadeiras contemplava a maravilhosa paisagem, de lá dava para ver o açude serpenteando distante, e as cadeias de montanhas que cercam Frei Paulo, Uma vista tão linda que inspira aos poetas e seresteiros, esses artistas sob a proteção do Senhor São Paulo mais tarde entrariam em cena, enquanto nós meninos enfadados, fartos de alegria, em sono pesado e profundo, sonhávamos inocentemente com novas aventuras do novo dia que nascia.

segunda-feira, 14 de maio de 2012

“Meu maior patrimônio são os amigos”


Ele é genuinamente freipaulistano, um homem comedido e que ao longo de sua existência aprendeu como ninguém a cultivar amizades. Um comerciante sem avareza e muito atencioso com sua clientela. Assim é Zé Correia um homem dedicado ao trabalho e a família. Sua bodega na Praça Capitão João Tavares sempre foi um termômetro da política local. Trata homem, mulher e menino com o mesmo respeito. Ali um eclético grupo de amigos, por décadas se reúne e discute com muito bom humor, os fatos políticos locais e também estórias em torno da vida de cada um. A paixão pela política sempre esteve no sangue de Zé Correia, mas sua atuação sempre foi muito tímida, ele costuma ouvir muito mais do que falar. Talvez esta virtude seja o que atrai tantos amigos.
José Correia Dantas é filho de Joaquim Correia Dantas e Acila de Souza Dantas, seus pais eram proprietários de imóveis rurais um na Onça e outro próximo a cidade de Pinhão. Zé Correia quando jovem, era trabalhador e ajudava o pai a tocar os negócios da fazenda. Depois se casou em 1952, mas ficou viúvo e casou novamente, desse segundo casamento teve cinco filhos, outros cinco não se criaram, vindo a falecer. Assim que casou foi morar em Poço Verde, onde permaneceu por sete anos. Mas a esposa desenvolveu uma doença mental e por isso resolveu voltar a sua terra natal onde tinha o apoio da sua família e da família da esposa. Ele sempre a tratou com muito carinho. Em 1964 começou sua atividade comercial e até hoje ele mantém seu negocio, onde vende tudo do ramo de mercearia.
Zé Correia por muitos anos presidiu o diretório municipal da Arena, partido governista, mas nunca jamais foi um reacionário. Ele sempre foi um forte aliado político do prefeito João Teles da Costa, segundo ele o maior político que Frei Paulo já teve em todos os tempos, chegando a ocupar o cargo por quatro mandatos. Em 1970 assumiu como vice prefeito na gestão de João Teles. Mas sempre atuando de forma muito discreta. Da paixão pela política, lembra que por diversas vezes representou o prefeito em compromissos em outras cidades e não poupa elogios a João Teles como homem sério e dedicado a seu negócio, sendo um dos maiores pecuaristas de Frei Paulo. Segundo ele um homem muito rico e generoso. João Teles inclusive foi deputado estadual na década de 60 pela Arena.
Zé Correia disse que os tempos de hoje estão mudados, e Frei Paulo deu um grande salto na sua economia. Não se queixa de seus negócios não terem evoluído e de ter feito um grande patrimônio como supermercadista. “Estou feliz com a vida que levo, graças a Deus criei todos os filhos com meu trabalho e nunca me faltou o pão." Para esse freipaulistano, tão admirado pelos conterrâneos, seu maior patrimônio são seus amigos e cita alguns que fizeram história marcando presença quase que diariamente nas reuniões de sua bodega.
- Seu Alfredo, Artur Barbosa, João Dias, Epitácio, Zé de Marcolino, Fleory, Filinto, Dr. Rúbens, Bastos, Avelino, Justiniano entre tantos outros a maioria deles já no plano superior. Mas tem os atuais Mané de Lunga, Arnaldo do IBGE, Nilton da Energisa, Zé Tavares entre outros. Nessa roda de bate papo alegre e descontraído se conversa de tudo e o respeito sempre foi marca registrada. Zé Correia está com 80 anos e se mantém firme na sua luta. Ele é um homem que escreve uma história marcante de nossa querida Frei Paulo, sem qualquer alarde. Foram esses memoráveis homens de bem, entre outros aqui citados , com suas inteligentes e edificantes ações, que forjaram o povir de nossa terra.

domingo, 13 de maio de 2012

História musical de Frei Paulo


Caminhava pela praça e ouvia acordes de clarinetes. Dali da Bodega de Zé Correia já ouvia o doce murmúrio das horas se esvaindo sob aquele clima frio de ventos gelados vindos talvez da Serra da Miába que dos nossos arredores parecia tão perto, mas tão longe, chegando a ter cor azulada. Confesso que diversas vezes já pensei em ir a pé até o topo daquela misteriosa montanha. Tão visível para nós, parecendo algo inatingível. Todas as vezes que fui ao Tanque dos Cavalos para refrescantes mergulhos contemplava essa serra tão linda tornando a paisagem algo maravilhoso, talvez indescritível. Sob acordes de lindos dobrados. Mas já era noite e o destino mais interessante era ver João de Santa exercitando sua paciência em aulas de clarinete.
Na verdade eu nunca fui aluno da filarmônica, mas gostava muito de observar ele ensinando meninos e meninas a tocar seus instrumentos e logo vê-los desfilando garbosos, nas memoráveis apresentações da União Lira Paulistana. Homens como João de Santa são raríssimos, um poeta, historiador altamente envolvido com a arte, mas antes de tudo um belo exemplo de humildade. Era impressionante ver aquelas mãos calejadas das lidas de suas roças pelo dia, na noite tirar melodias lindíssimas no cavaquinho, no clarinete, no trombone. No trompete. Um multi-instrumentista de virtuosismo incomparável.
O seu nome é João Alves de Oliveira, esteve presente durante 54 anos na música freipauistana. Assumiu essa árdua missão das mãos do seu mestre Modesto Almeida, de saudosa memória. Ele deixou Frei Paulo levado pela família para o Rio de Janeiro com sua saúde em frangalhos, após a morte de sua esposa Carmozina Almeida.
João de Santa não era um simples professor, mas um mestre para muitas crianças e adolescentes de Frei Paulo que através dele não foram somente musicalizados, mas beberam na sua fonte de sabedoria, daí ser tão amado por muitas gerações. Um homem ligado a preceitos morais rígidos que na época condenava a droga que minava a juventude freipaulistana, o álcool. Homem de caráter irrepreensível, mas dotado de uma humildade de fazer inveja a qualquer um ser humano.
Uma vida de altos e baixos, de parcos recursos e dificuldades nunca foram obstáculos para seus ideais. Por isso cumpriu sua missão com muita responsabilidade; e em meio a partituras de grandes mestres, também ousou , tornando-se autor de peças belíssimas, dobrados espetaculares tocados com inspiração pelos seus alunos.
Todo aquele seu entusiasmo parece que contagiava a todos sem exceção. Frei Paulo tinha a melhor banda de música do estado, isso era uma realidade. Enquanto esse homem esteve à frente da União Lira Paulistana. Tendo atuado antes na Lira Sagrado Coração de Jesus fundada em 1902, sendo comandada pelo competente músico Francisco Alves de Carvalho Junior.
João de Santa realizou pesquisa junto à Banda de Itabaiana onde tudo foi devidamente documentado inclusive o salário do maestro 50 mil reis e mais a moradia. Segundo a pesquisa quatro anos mais tarde surgia a Lira Independente N. S. da Conceição fundada pelo senhor Conrado Tavares da Silva e comandada pelo competente maestro Jason Tavares da Silva, morto em Carira por José Boteco. Com a sua morte houve uma união das duas bandas dando origem a União Lira Paulistana. Sendo maestro Edeltrudes de Oliveira Teles. João de Santa assumiu a banda em 1953 e a dirigiu até 1958, passando o comando ao inesquecível maestro Genésio Pereira de Souza que permaneceu até 1970, voltando o comando para João de Santa.
Frei Paulo é uma cidade privilegiada , embalada pela música e poesia e com cenário paradisíaco com vista para a Serra da Miába , rica em ouro prata e ferro. Firme com a serra e reluzente como o ouro, é esse matuto inteligente e forte conhecido como João de Santa.Um mestre na arte musical e um poeta tarimbado em suas rimas perfeitas. Uma lenda vida.

terça-feira, 1 de maio de 2012

O cântico dos penitentes

Sou de um tempo em que a Sexta- Feira da Paixão era dia Santo mesmo. Em Frei Paulo nesse dia parava tudo e em clima de muito respeito e silêncio absoluto acompanhávamos a procissão de Senhor Morto cruzar as ruas e praças da cidade. Era um cortejo fúnebre. Na frente Seu Elpídeo solenemente conduzia a cruz, e um pouco atrás a imagem do Senhor Morto transportado em andor sob uma cobertura lilás. Ouvia-se o silêncio das pisadas. Aquele silêncio sepulcral, que era quebrado tão somente pela revolta das matracas. Era um clima de muita comoção e respeito, todos os bares fechavam e ninguém se atrevia a beber nem sequer um cálice de vinho. Era um espetáculo taciturno, mas revestido de muita beleza. Orações sem muito alarde. Pode-se dizer que o silêncio predominava nesse pomposo cortejo. Depois da procissão a imagem do senhor morto que durante todo o ano jazia por trás de um vitral, é depositada no altar. Até as dez da noite era visitada pelos fieis que beijavam os pés da imagem e do lado deixavam suas ofertas. Até mesmo o timbre da voz do padre João Lima mudava durante a celebração das missas nesse período. A fé e a religiosidade em Frei Paulo é algo inerente à própria cultura do povo. Dos povoados multidões se formavam para vivenciar esse período da páscoa. Com suas diversas manifestações sagradas e profanas. Muitos vinham se confessar e acompanhar os rituais sagrados da semana santa. A meia noite os penitentes adentravam a igreja gerando um grande suspense. Essa tradição em Frei Paulo sempre esteve muito viva e ligada ao sincretismo religioso local. Todos os anos, no período da Quaresma, entre a Quarta-feira de Cinzas e a Sexta-feira da Paixão, alguns fiéis realizam o ato da penitência. Esse grupo, chamado de Penitentes, veste-se com lençóis brancos e percorrem várias igrejas, cruzeiros e o cemitério da cidade, rezando pelas almas dos mortos. Os Penitentes são divididos em dois grupos: os Alimentadores de Alma, que fazem orações pelas almas e chacoalham um instrumento chamado de matraca; e os Disciplinadores, que durante o ato de penitência se martirizam com chicotes providos de lâminas na ponta, causando cortes por todo o corpo, derramando sangue, com o propósito de reduzir os pecados. Eles geralmente saiam da Serra Redonda e vários pontos eram visitados, o cemitério, o açude, os cruzeiros e capelinhas de diferentes pontos do município, em apenas uma noite eles percorriam tudo isso a pé. Muita gente até hoje tem muito medo dos penitentes. Mas poucos procuram entender o sentido de seus rituais. Em Frei Paulo alguns deturpavam essa tradição e iam ao encontro deles para provocar os religiosos e estes sempre reagiram com violência com esses baderneiros. Usando para isso seus chicotes purificadores isso também faz parte da tradição. A Procissão dos Penitentes que remonta à Idade Média é uma manifestação que tem se afirmado pelas suas singulares características, Os anos passam e essa tradição se torna cada vez mais viva e conta com a adesão de muitos jovens de Frei Paulo, estes sempre preocupados em manter o sigilo de seus rituais religiosos. Os penitentes se reúnem todos os anos para rezar e entoam cânticos tristes. Vestidos em suas mortalhas brancas trazem sempre na mão seus chicotes e cantando seus “benditos”; hora somente com suas vozes; hora acompanhado por tristes toques da zabumba e pelas ruidosas matracas. Esse sempre foi o solene, melancólico e respeitoso cântico dos penitentes