sábado, 28 de abril de 2012

O patriarca dos transportes

O empresário José Lauro Menezes Silva tem participação ativa na história de Frei Paulo. Com sua empresa que já atua no setor de transportes há mais de 50 anos, mudou a maneira de viajar dos sergipanos, em Frei Paulo não foi deferente. Uma existência devotada ao trabalho e ao desenvolvimento de Sergipe, assim foi a trajetória de José Lauro. Ele é o exemplo vivo de que sonhos podem virar realidade. Outro dia assisti a um pronunciamento do Pastor Virgílio, vice presidente nacional do PSC, no plenário da Assembléia Legislativa de Sergipe. Uma frase desse sábio pastor me chamou a atenção: "Deus não abençoa preguiçoso" Isso é a pura verdade, Deus ajuda a quem trabalha e José Lauro Menezes, desde a sua infância, foi um cidadão fascinado pelo trabalho e um obstinado perseguidor de seus ideais. Tudo começou há pouco mais de cinqüenta anos, quando o empresário Oviêdo Teixeira pai de sua esposa Gilza Teixeira, um inquieto investidor, teve a brilhante idéia de comprar três marinetes. Oviêdo queria que sua filha morasse em Aracaju e deixasse pra trás a vida bucólica que levava na Fazenda Maxixe em Riachuelo, propriedade de Zeca Barbosa pai de Lauro Menezes. Em 24 de fevereiro de 1960 surgia a Empresa Senhor do Bomfim. Lauro nunca abandonou sua atividade agropecuária. Mas dedicou-se de corpo e alma ao novo negócio. Mas foi com muito entusiasmo que abraçou a nova empreitada. Em pouco tempo realizou um panorama de investimentos que projetou a empresa para o futuro e esta cresceu, gerou muitos empregos e facilitou a vida de muita gente, tornando-se um marco do desenvolvimento e do progresso de Sergipe. Lembro de minha infância em Frei Paulo, nos fins dos anos 60, quando os viajantes acordavam às 4 horas da manhã para embarcar com destino a Aracaju no "Caminhão do Leite" uma perigosíssima aventura a que muitos ali se submetiam. Era uma viagem gratuita, mas muito perigosa. Agarrados em vasos de leite, estudantes partiam para estudar no Colégio Agrícola Beijamim Constant, às vezes sob forte chuva. Trilhando em alta velocidade as estradas de piçarra do sertão. Quantas vidas foram ceifadas nesta aventura inglória? Em contrapartida, era gratificante ver adentrando a nossa querida cidade, os modernos ônibus da Bomfim, muito embora a modernidade não tenha dado fim ao risco do carro do leite. Lembro a primeira vez que andei de ônibus, foi com meu pai, fomos para Carira visitar nossos parentes, minha tia Esmeralda, meu tio Ciro e meu avô paterno Totonho Pacífico. Sentei na primeira poltrona e me deliciava com o conforto. Com a belíssima paisagem que parecia um filme passado na janela do ônibus. Mesmo naquelas empoeiradas estradas, era uma viagem segura e confortável, naquele tempo ainda não havia asfalto. Foi o elevado tirocínio empresarial de José Lauro fator primordial para a modernização do transporte de passageiros em Sergipe, gradativamente ele foi ampliando linhas, ligando a capital a diversas cidades do interior e posteriormente a outros estados do Nordeste. Isso numa época em que o transporte se resumia a carroças puxadas por jumentos. E os desconfortáveis e perigosos caminhões pau de arara. Lauro Menezes preserva o vigor e a energia dos grandes guerreiros, um exemplo a ser seguido pelas novas gerações de empreendedores. Lauro da Bomfim é um empresário cuja importância para o desenvolvimento de Sergipe é imensurável. Pode-se dizer sem medo que sua vida se confunde com trabalho, honestidade e coragem. Um empresário que muito tem contribuido para o desenvolvimento econômico de Sergipe. A Bomfim tornou-se uma empresa que é referencia para o Nordeste, sua frota possui os melhores ônibus, e o gerenciamento está sempre atento ao avanço tecnológico do setor de transportes, agregando valores e investindo em tecnologia. Outra característica marcante de sua atuação empresarial é o investimento no ser humano, segundo o próprio empresário, o maior patrimônio da empresa. A Bomfim para atuar sempre na vanguarda não poupa investimentos nos seus funcionários. Esse sempre foi o nobre objetivo de José Lauro perseguido com o mesmo entusiasmo de sempre.

sexta-feira, 27 de abril de 2012

Dia de careta

“Cara de Gata, Cara de Gata” diz o animado refrão da marchinha carnavalesca , tocada no baile onde tantos risos e danças , talco e serpentina se misturavam nos confins da minha infância. O bar de Dário ficava lotado de foliões, bem em frente os casais flertando lá pelo coreto. De dia essa alegria que contagiava os freipaulistanos e visitantes. Chegava à noite, lá pelas 20 horas no melhor da noite, elas chegavam para meu desespero. Eu era uma criança medrosa que tremia nas bases quando me deparava com aquelas criaturas horripilantes , tenebrosas, chifrudas. Elas se comunicavam através de um ruído e aquele ruído era onomatopeicamente assim (phrriiinnn).“arrrrgh, arf, arf,uf, uuf. Fiuuuuuuuuu arrrgh, arf, arf, uf, uf, uf arrrrrrrrrrrrrhg! Uf!!” Chega ... As caretas para mim causavam um trauma. Eu me lembro quando certo dia sai do baile , e fui tenebrosamente assustado por uma delas. Olhos de fogo, cabeleira aloirada e eu ali imóvel , indefeso, vulnerável. Quantos anos faz isso? Depois eu mesmo virei uma careta, tão somente para superar esse medo. Mas toda vez que me vestia de careta, era desmascarado e humilhado. Olhavam pra mim e diziam olha quem é e já iam puxando a máscara, e tome-lhe safanão. Era uma grande humilhação. Costumavam fazer isso com caretas pequenas. Um dia me vesti diferente, como um verdadeiro capeta, vesti roupas pretas, pintei de piche a careta e fui para a rua com meu bando de caretas. Mudei até o caminhado e naquele dia assustei um monte de crianças. Senti-me de fato uma careta. O carnaval em Frei Paulo tinha essa tradição momesca que aos poucos foi sendo esquecida. Havia bandos enormes de caretas no carnaval de minha terra. Os grupos se reuniam na rua do monturo e eram muitos, Mechó, Penacho , Canguçu, Beto de Joaninha, Seu Moleza, Espigão, Bufa, Nanão, Mú, Cara Véia entre vários outros. As mães advertiam “vá dormir cedo menino, hoje é dia de careta” E as caretas faziam um espetáculo que antecedia o show da orquestra comandada pelos membros da Filarmônica. O Grêmio Sesquicentenário era tomado pelas lindas colombinas e aqueles beberrões a abrir alas no salão de baile. E haja talco e serpentina, de confete o chão virava tapete. (Segundo alguns estudiosos, a origem da festividade não faz parte do período carnavalesco, mas do Natal, quando dois Mateus de um reisado se embriagaram durante a apresentação e foram proibidos de participar da manifestação. Inconformados, eles vagaram fantasiados pelo município, fazendo barulho com um chocalho e inaugurando a brincadeira.) Mas o carnaval de hoje é bem diferente assim como foi diferente num passado ainda mais remoto e será bem diferente no futuro, afinal carnaval é sempre a mesma coisa só mudam as caretas. Zé Matos e Pedro de Elpídeo mandavam ver no trombone e a bateria impecável dos filhos de Elizeu, faziam do nosso carnaval em uma pequena cidade de interior , uma festa de pompa. Eram quatro dias de muita animação e brincadeiras insondáveis. Hoje quando vejo nosso carnaval, me dá vontade de chorar de tristeza, não que seja saudosista, sempre carnaval pra mim foi sinônimo do escárnio humano, mas essa alegria não me convence, acho definitivamente que envelheci, ou virei careta.

quinta-feira, 26 de abril de 2012

O professor Tupinambá da Bahia

Na minha infância de menino travesso no sertão sergipano, convivi com figuras que muito bem poderiam povoar as páginas dos romances do genial Gabriel Garcia Marques, autor do best seller “Cem anos de solidão”. Eram tipos inesquecíveis . Meu pai era dono da Farmácia São Paulo em Frei Paulo. E ali ao meu lado, arrumava as caixas de remédio que um representante acabara de trazer, quando entrou na farmácia um sujeito muito esquisito , cabelos longos e negros, bigodão, olhos rodeados de infinitas pálpebras, vermelhos, indormidos. -Um envelope de Engov, por favor. Seu Bastos se dirigiu ao balcão e de dentro tirou o pedido do tal forasteiro e o entregou. Ele imediatamente começou a amassar o envelope transformando-o numa bolinha enquanto com olhar fixo pronunciou: -O Senhor tem condições nacionais e internacionais de me confiar esse remédio. Seu Bastos, com aquela fúria no olhar, passeou velozmente o palito de um lado a outro da boca e arrebatou de suas mãos os comprimidos e bradou um rotundo não. O tal homem sem camisa, aparentando ter lá seus 60 anos, seguiu em direção a pensão de D. Zefa, com aquele caminhado desengonçado cruzou a praça Capitão João Tavares. Achei-o engraçado e sai atrás dele. Na hora apareceu Geraldo de Mané Bonzinho e passamos a seguir o curioso estranho. Dirigiu-se a nós de forma amável e cortez, parecia um anjo, e nos convidou para um passeio em seu carro. Assim que sentamos no banco traseiro, ele arrastou com seu opala velho em alta velocidade na direção do Curral do Açougue, não parava de desferir tapas e mais tapas. (foram momentos de tensão e muito medo) Nosso choro não sensibilizou o facínora, que a toda velocidade rumava em direção a Carira. Ele se deliciava com a situação. Que sujeito mais esquisito. Por sorte, o carro faltou gasolina e ele foi lá mexer no motor. Já próximo à ponte do Rio Salgado. Eu e meu colega escapamos e voltamos a toda para a cidade. Isso aconteceu numa sexta-feira e sábado pela manhã no meio da feira lá estava ele cercado de gente incauta. Pregava ele com seu olhar místico, como os profetas do velho testamento, a pregar o apocalípse: "Eu sou o Professor Tupinambá da Bahia, passei duzentos anos na mata virgem comendo planta e raiz de pau". Pronunciava com profunda convicção essas palavras. O cara era um celerado, um louco, mas era criativo. Não faltava quem se dispusesse a pagar uma consulta onde ele procurava arrancar cada centavo dos pobres sertanejos, mediante mentiras criadas na hora, para cada situação. Hora dizia que a vítima estava sendo traído pela mulher. Por outra era o irmão que estava querendo lhe passar a perna na herança. O professor era um picareta de marca maior, um famoso vigarista, um salafrário e ladrão que tinha como profissão engabelar os coitados que caiam no seu conto. Dizia ele, a um agresteiro: “Não faça feira não para aquela infeliz, dê esse dinheirinho ao Professor Tupinambá que tudo vai ficar bem na sua vida. E num canto, se contorcia, fazia presepadas com as mãos e orações que pelo jeito deviam até falar mal de Deus. Esse famigerado Professor Tupinambá vivia pelas feiras do Nordeste enganando a um e a outro na sua vida de charlatanismo profissional. Talvez por isso, tinha a triste sina de ser um beberrão incorrigível. Por isso no auge da ressaca ia para as farmácias mendigar um comprimido de engov. Assim que acabava de atender um cliente, aquele pobre diabo ia direto para a vendinha e entornava um copo cheio de cachaça. Fumava desbragadamente cigarros da marca "Gaivota". Tinha na face, como que escrito que era um vigarista, mas mesmo assim, não faltava quem caísse no enredo de suas tramóias. No pescoço trazia vários colares do candomblé. Cabelos longos, negros em desalinho, barba por fazer. Um bigode que ele cuidadosamente enroscava nas pontas. Era branco, musculoso e ostentava um corpanzil corcundo, barrigudo e o rosto cheio de rugas. Sua voz lembrava o ronco de trovão, seu olhar traduzia uma constante sensação de desespero. Olhos injetados e se expressava gesticulando em demasia. Domingo bem cedinho, do alto falante da Matriz, ouvia-se a voz do Pe. Zezinho cantando "Estou pensando em Deus” enquanto aquela criatura diabólica, desta vez com uma nota de dez na mão, dirigiu-se a meu pai que abria a farmácia -O senhor tem condições nacionais e internacionais e a vista de me vender... - A você nem por um milhão, respondeu Seu Bastos, de cara amarrada!

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Um gigante do comércio sergipano

Vindo de uma prole numerosa, Oviêdo Teixeira iniciou-se no comércio, com toda humildade, varrendo o chão de uma loja de tecidos em Itabaiana. Depois passou a ser vendedor. Nesse emprego ele permaneceu por dez anos e aprendeu a arte de negociar. Nascido em 10 de abril de 1910, filho do casal João Teixeira e Maria São Pedro Teixeira. (D. Caçula). Em l929 reuniu as economias de sua mãe, algo em torno de 2.400 contos de reis e começou a trabalhar por conta própria. Na cidade de Ribeirópolis, naquela época, chamava-se Saco do Ribeiro ele começou com uma banca de tecidos na feira. Já na primeira semana, apurou 900 reis, então viu que o negócio era bom. Algum tempo depois, surgia a sua loja a Casa Teixeira, que no ano de 1939 aportara em Aracaju. Folheando o álbum de família desse ícone da história de Sergipe, é possível vê-lo elegantemente vestido na época que atuava como mascate, sempre impecável nas roupas da época, era Oviêdo, um batalhador, otimista por natureza. Um jovem empreendedor, que ousou romper as fronteiras do pequeno feudo e partir para negócios mais promissores. E assim fez o Sujeito, como era conhecido, pois a todos se dirigia com essa palavra dita sempre de forma carinhosa. O brilhante historiador Luis Antônio Barreto sobre ele escreveu: "Sabino Ribeiro, Bastos Coelho, José Alcides Leite, Constâncio Vieira, Heráclito Dantas, Pedro e Mamede Paes Mendonça, dentre outros incluindo Oviêdo Teixeira, tiveram oportunidade e venceram, sustentando a atividade produtiva, mesmo quando, o açúcar decaiu, o algodão quase sumiu do mercado, e o arroz do Baixo São Francisco e o gado deram sinais de declínio, empobrecendo dezenas de famílias ricas e poderosas" Se existe um sergipano do qual podemos nos orgulhar é esse tal Sujeito, um desbravador que com sua atuação desenvolvimentista, rompeu com a arcaica política coronelista da época, sendo alvo de perseguições econômicas e políticas. Mas, a sua obstinação não deixava espaço para abrir mão dos seus sonhos. E assim lutou obstinadamente. Foi ao Rio e São Paulo e estabeleceu uma rota de mercadorias para Sergipe, algumas importadas de preço sedutor e qualidade comprovada. Eu era pequeno, lá em Frei Paulo, mas ainda ecoa nos meus ouvidos o carro de alto-falante circulando na cidade, com a musiquinha: " Meu voto é de valor é Oviedo pra senador. Meu voto não tem segredo, pra senador é Oviedo. Eleitor da capital, eleitor do interior, Vamos votar em Oviedo para nosso senador..." Um dia na Praça da Feira no ano de 1966(ou seria na segunda derrota para o Senado nos anos 70) fomos surpreendidos pela decida de um helicóptero vermelho. Havia um vendedor de chapéu de palha, que ficou sem nenhum chapéu, com o vento forte provocado pela hélice da aeronave. Oviêdo desceu e com elegância seguiu a cumprimentar os eleitores na feira de Frei Paulo, onde o povo já nutria por ele profunda admiração. Parecia um sonho, ver aquele helicóptero, pousado ali bem na frente da casa de Seu Antônio de Germino, proprietário da Destilaria Imbira, o homem que trouxe água encanada pra Frei Paulo. Oviêdo não foi eleito senador, mas seu filho José Carlos Teixeira, visto em Frei Paulo como um mito, foi eleito deputado federal e teve excelente atuação em defesa do país De volta à aeronave seguiu, não sem antes acertar as contas com o homem dos chapéus, seu vôo foi para a cidade de Pedra Mole, onde o velho prefeito Laves o esperava. Um amigo a toda prova. Líder nato daquela gente, homem de muito brío. Era um dentre os grandes amigos do Sujeito. A trajetória desse empresário, é conhecida de todos os sergipanos, isso porque ele cresceu pela sua perseverança e dinamismo, entrou para história como um homem honesto, dedicado ao trabalho e a família. Em 1962 ano em que eu nasci Oviêdo já era dono de grandes empresas e sua família igualmente prosperou em outros setores da economia sergipana, tais como, a construção civil, através da Norcom, e transportes, através do sogro José Lauro Menezes da Bomfim. E do senador Lauro Antônio seu querido neto. Dava expediente diariamente na Cimavel concessionária Ford. Além disso, tinha também a Saboaria Celeste. Em 70, a Discar que era comandada pelo irmão Elpídeo e Carlos Lyra sogro. Além de toda essa atuação empresarial Oviêdo era um respeitado criador da raça Indubrasil, suas fazendas eram modelos de como é possível vencer no setor primário da economia. Isso o deixava muito feliz, A Fazenda Salgado em Frei Paulo é o maior exemplo disso. Lá nos finais de semana ele se refazia das mazelas do dia a dia atrás do balcão. Oviêdo era simples, brincalhão, amigueiro e também um homem muito responsável com seus negócios. Eleito deputado, teve uma atuação pautada na ética e na valorização dos anseios comunitários. Em 2010 foi comemorado o seu centenário e entre os depoimentos de parentes e amigos destacamos o de seu filho, o engenheiro Luis Teixeira, ele relata uma viagem à Terra Santa quando o seu pai fez amizade com um jovem punk árabe (é raríssimo punk por lá) depois de encontrá-lo numa loja de lembranças, o jovem se apaixonou pelo jeito simples e o sorriso do Sujeito. Um dia depois numa fila eles voltaram a se encontrar por acaso. Relata Luis, que foi emocionante a manifestação de alegria dos dois. Pareciam velhos amigos. Acho que o sujeito ali reencontrou sua origem cristã. Eu também tive o privilégio de gozar da amizade do Sujeito, sempre ia visitá-lo na sua concorrida mesa na Cimavel. Entre outras coisas pedia conselhos, pois também quero meu lugar ao sol. Outra vez, peguei com ele, uma carona de Aracaju para Frei Paulo, foram momentos inesquecíveis ele contava de sua vida e de sua luta naquelas terras. Um prazer, e uma honra, de ainda jovem beber naquela inesgotável fonte de sabedoria, afinal ali, ao meu lado, estava uma das mais importantes personalidades da vida sergipana do século XX. Oviêdo foi um homem filosófico, antenado com a modernidade ,cuidou para que cada filho tivesse seu vôo próprio e conseguiu. José Carlos Teixeira foi um político que marcou época em sua luta pela fundação do MDB (Na época a única trincheira de luta das oposições.) José Carlos Teixeira nunca se preocupou em ganhar dinheiro, e aquele que era para ser o sucessor do grande exemplo de trabalho da família Teixeira, prosperou no campo das idéias. Tornou-se um fomentador insaciável da democracia brasileira. Os filhos Tarcisio e Luis tocaram com muita competência a Construtora Norcom e a transformaram numa gigante do setor. João na Cimavel segurou a peteca e até hoje mantém liderança em vendas da marca Ford. Enfim, Oviêdo vivia em função da família, para ele mais importante do que a pátria. Era com um ar lacônico que ele falava de D. Alda, a zelosa mãe dos seus filhos que faleceu em 1979 deixando uma grande lacuna em sua vida. Ela o acompanhava nas campanhas políticas em Frei Paulo. Ele morreu em 2001 foi uma perda irreparável para Sergipe. Mas uma coisa é certa, o Oviêdo Teixeira inspira até hoje as novas gerações os jovens empreendedores, e se for para falar em desenvolvimento e progresso em Sergipe haveremos de reconhecer que a sua vida foi uma incessante luta pelo desenvolvimento econômico do seu estado. Um verdadeiro gigante do comércio sergipano. Frases de sua autoria: " Triste do homem que não tem roda familiar" "A pessoa que diz um sim sem carinho , está negando . É melhor dizer não" "Na nossa vida não há problema sem solução" "Ave Maria , quase tive uma vertigem!( Palavra dita logo após um vendedor ter dito o preço de uma peça)" Após 38 anos de comércio de tecidos, sai do ramo. “Há momentos na vida que não podemos titubear” " O trabalho dá saúde e inteligência"

terça-feira, 24 de abril de 2012

Grossura x Lesma de pau

Quem nunca sonhou ser um jogador de futebol? Pois eu nunca sonhei, apesar da paixão platônica pela bola, sempre tive plena consciência de minhas limitações quando se trata de habilidade com a pelota. Na minha infância em Frei Paulo sempre fui o dono da bola e escalado para jogar no gol. Isso gerou em mim uma profunda frustração e por essa razão, há muito tempo não jogo bola, nem no sonho. Mas essa semana, joguei no pesadelo. Acho que exagerei um pouco no jantar e quando me envolvi nos braços de Morfeu, no mais profundo sono, estava já em campo. Era uma partida muito estranha. Minha irmã Erta, era a minha técnica e com a simpatia que lhe é peculiar, foi logo sentenciando. "Prepare-se para perder. você está na final da copa que vai eleger o pior jogador do mundo" Eu? Olhei para os lados e a torcida era um bando de zumbis enfurecidos, jogavam tomates podres e toda sorte de porcaria em mim. O campo tinha as dimensões de uma quadra, uma paredinha e tela. Do lado direito a torcida do meu adversário o Lesma de Pau. Do lado esquerdo a minha torcida que gritava com vigor: "Grossura, Grossura". Onde diabos me arrumaram esse apelido? Perguntei à técnica porque eles torciam por mim, um perna de pau contumaz? Ela foi curta e grossa: “Eles eram torcedores descontentes com o Lesma de Pau e que revoltados torceriam por qualquer um que estivesse ali, por pior que fosse”. Minha torcida parecia bem maior. O juiz era um cara gordo, canecão de cerveja na mão, olhar de durão usava uma camisa puída do Vasco. Pelo seu bigode parecia um português bem ordinário. O apito era uma mine flauta, mas tinha o som de buzina de trem. Minha técnica disse que pesquisou o adversário, Lesma de Pau por muito foi considerado um crack, jogava no CSU, sempre na reserva, mas o alcoolismo o afastou dos campos e passou a jogar buraco. Virou um fracassado, tudo que lhe restou foram velhas e amareladas fotos dos seus tempo áureos. O juiz apitou fomos para o centro do campo, comecei a me aquecer dando pique no lugar e flexão, igual ao Coalhada, foi quando ouvi um estalo. Aíiiiii foi o meu menisco. Chamaram o massagista, quando o negão que lembrava o Geraldão entrou correndo com a maca na mão, fiquei bom na mesma hora. E saí correndo em direção à zaga e comecei a me aquecer. Lembrei de quando era criança e vivia sonhando em ser um jogador profissional, cheguei a tentar entrar no juvenil do Paulistano; foi um vexame o meu teste. Na hora das embaixadinhas só dei uma. E outra na segunda e última chance. Pedro de Elpídio me disse: “sai pra lá seu “perna de pau” Quando o jogo começou vi a bola rolar com desenvoltura nos pés, já não tão hábeis do Lesma, vi em seguida a pelota escapulir na minha direção na altura ideal para soltar aquele canhão. Mas quando chutei com toda força parecia que tinha chutado uma bola de assopro, a bola foi para o lado batendo na parede e voltando ao campo adversário. Olhei direito a pelota no centro do campo e vi a marca "canarinho" e das branquinhas, ninguém merece. O jogo todo só dava isso, os goleiros dormiam o tempo todo em suas rede armadas nas traves. A bola era muito leve por isso nem eu nem o Lesma, conseguia uma finalização, tudo ia parar na parede. O primeiro tempo acabou zero a zero. Fui para o vestiário ouvir os xingamentos de minha técnica. Ainda antes de voltar a campo o repórter Pingo de Coalhada me perguntou sobre o jogo. Eu falava como um jogador profissional cuspia a cada três palavras e disse que iria levantar a cabeça e sair com um resultado positivo. Numa mesinha ao lado destinado à crônica esportiva. O comentarista Wellington Golias, o diabinho, de rabinho, chifrinho e tudo nos olhava com desdém, e fazia um efusivo comentário: "passes perfeitos e sincronizados" "devoluções precisas" por fim arrematou: “a parede foi a maior figura em campo em campo”. O segundo tempo prosseguiu com um festival de micos e quixotadas. Ainda bem que acordei antes do fim do jogo.

Natal em Alagadiço

Era uma grande alegria quando via papai tirar o jeep da garagem e passar pela praça buzinando. Largava a bricadeira rotineira e feliz da vida ia com ele para a festa de natal de Alagadiço. Um povoado da cidade de Frei Paulo que fica a cerca de 7 km da sede do município. À noite íamos vagarosamente pela estrada esburacada e escura na direção de Carira, mais um pouco depois da ponte do Rio Salgado, avistávamos um mata-burro era a entrada para Alagadiço, uma estradinha estreita, esburacada e cheia de ladeiras, mais na frente outro mata-burro quando o carro cruzava e vibrava, era um sinal que já estávamos chegando. Naquele tempo, não havia luz elétrica, Alagadiço se resumia a uma grande praça cheia de casas simples e no centro uma igrejinha branca onde a comemoração ganhava um caráter cultural e religioso. Em todas as partes do mundo o natal é comemorado no dia 25 de dezembro, mas em Alagadiço contrariando o calendário cristão, a festa acontecia no início de janeiro. A noite, essa praça ficava totalmente lotada de gente, vinda de outras cidades, Pinhão, Pedra Mole, Ribeirólis, Carira, Itabaiana e de propriedades rurais da redondeza. Muitos matutos com seus melhores trajes passeavam e assistiam à comemoração do natal. Muitas barracas armadas vendiam o tradicional arroz com galinha, era galinha de capoeira de verdade, com um tempero caseiro feito com dedicação pelas senhoras tarimbadas no assunto. Grandes caldeirões com guloseimas diversas, arroz doce, mugunzá e outras iguarias. Os bares ficavam lotados de gente bebendo e comendo seus tira-gostos. Na estrada pouco antes de chegar à praça havia um grande bar onde um animado forró atraia muita gente e a diversão rolava até amanhecer o dia. Parque com barcas e trivolovi e as bancas de jogos de cartela, e suas premiações de goiabada e sardinha, tudo iluminado com luz de candeeiro. Era muito divertido. As crianças brincavam na escuridão e os adultos aproveitavam para namorar no escurinho da festa. Todos gostavam e ficavam muito felizes. Olhava para o céu estrelado e dava para ver até as nebulosas, como dizia Sergio de Zé Pequeno: “No escuro as intenções são mais claras” Meu pai, Seu Bastos não perdia essa festa, por uma razão particular, todo natal em Alagadiço, uma banda de pífanos circulava na praça e os moradores acompanhavam dançando e fazendo preces. O cortejo circulava pela festa e depois adentrava a igreja sob o toque das zabumbas e dos afinados pífanos. Tocados por experientes velhinhos, que a todo instante, rodopiavam em perfeita sincronia, com suas coloridíssimas indumentárias folclóricas. Essa tradição, atraia muitos visitantes. Gente do Catuabo, Serras Preta, Serra Redonda, Mocambo e principalmente de Frei Paulo, iam para Alagadiço nesse dia tão somente para assistir a esse espetáculo cultural de encher os olhos. O natal de Alagadiço, sempre foi o mais animados da região, e nesse dia, era certa a presença do prefeito municipal e dos vereadores participando da procissão e assistindo a celebração da santa missa. Papai tinha muitos amigos em Alagadiço, e após a missa, sentava nas portas onde havia muitas cadeiras e entravam pela madrugada em conversas divertidíssimas, brincando na praça até altas horas eu só ouvia as gargalhadas. Era muito bom o natal de Alagadiço na minha infância. Já participei de muitos naquele lugar marcado por incríveis histórias do cangaço.

domingo, 22 de abril de 2012

Um magistrado apaixonado por educação

Se existe um nome, que merece todo o reconhecimento do povo freipaulistano, este o do juiz de direito Thiers Gonçalves de Santana, não só pelos valorosos serviços prestados a nossa comunidade, mas, sobretudo pela sua abnegação no sentido de valorizar a educação em Frei Paulo. Thiers amou esse torrão e nos anos que comandou a comarca de Frei Paulo, deixou um legado de obras e exemplos humanitários na sua ilibada atuação judicial. Ele realmente enobreceu o Poder Judiciário tomando posições firmes numa época que os coronéis queriam interferir nas decisões, agiu com imparcialidade e coragem fazendo justiça para nossa gente. Assim que chegou a Frei Paulo, não havia nem sequer um local para exercer sua função, então alugou uma casa ali na ladeira do Tanque dos Cavalos e passou a funcionar como fórum improvisado. Nos dias da semana não ficava ocioso, e por sua sede de compartilhar o saber, dava aulas como voluntário no Educandário Imaculada Conceição e no Ginásio Cônego José Antonio Leal Madeira. Aliás, ele que foi o primeiro presidente da CNEG – Campanha Nacional de Educandários Gratuitos, tendo permanecido à frente desse movimento cívico por cerca de dez anos, tempo em que fundou, no interior do Estado, cerca de vinte ginásios públicos, abrindo extraordinária oportunidade à juventude do interior sergipano, que não possuía condições econômicas de se deslocar à Capital do Estado para promover seus estudos. Vendo a estrutura precária das instalações da casa da justiça, Dr. Thiers foi ao prefeito e conseguiu a doação de um terreno amplo ali na travessa que liga a Praça da Matriz à Praça Capitão João Tavares e naquele local iniciou as obras do fórum da cidade de Frei Paulo. Uma obra de fôlego para a época. Usou seu prestígio e com o governador Lourival Batista conseguiu os recursos necessários para a execução de tão importante obra. Foram anos de luta até ficar pronto, então quiseram homenageá-lo, colocando naquele fórum o seu nome, mas ele era uma pessoa que trabalhava nos bastidores e não aceitou a homenagem. Foi ele também que construiu o fórum de Itabaianinha. Então quiseram colocar o nome do governador, mas ele também não aceitou, preferiu prestigiar o judiciário determinando o nome do primeiro juiz de Frei Paulo, Dr. Flávio da Rosa Melo. Era um homem justo, de decisão, que nunca aceitava imposições, por isso muitas vezes contrariou os poderosos coronéis, que queriam se impor pela força e pelo prestígio político. Era por essa postura que era muito admirado pelos homens de bem de nossa cidade. Antes da construção desse bem estruturado fórum, Dr. Thieres despachava numa casa alugada. Naquela época, para que os nordestinos, em plena seca, abandonassem seu torrão, era necessário uma ordem judicial. Portanto era comum, encontrar o meretíssimo na praça da matriz inspecionando caminhões, e assistindo a cena triste das famílias deixando a terra natal, para se aventurar no sul do país. Ali ele presenciava mulheres, meninos e homens aflitos esperando tão somente sua canetada, para seguir na imprevisível e sofrida viagem para São Paulo. Aquilo que a música ”A triste partida” retrata tão bem na voz do inesquecível Luis Gonzaga: “Setembro passou Outubro e novembro Já estamos em dezembro Meu Deus que há de nós. Assim fala o pobre do seco Nordeste Com medo da peste da fome feroz” Era aos prantos que Dr. Thieres assinava a ordem autorizando a triste partida, muitas vezes as suas lágrimas chancelavam aquela triste realidade da pobre gente sertaneja. Um homem de senso humanitário e de nobreza de caráter, raríssimo nos dias de hoje. Assim era o Dr. Thiers. Em reconhecimento aos relevantes serviços prestados à justiça de Sergipe, o desembargador Cláudio Dinart Déda, determinou que o fórum da cidade de Cedro de São João, levasse o seu nome, um reconhecimento póstumo a uma personalidade que venceu na vida pelo estudo e esforço próprio, vindo de origem humilde. Muito bem falou sobre ele, o seu filho, o promotor Jorge Murilo Seixas de Santana: “O nome do homenageado, ora registrado perenemente pelo Tribunal Regional Eleitoral na fachada deste Fórum serve de registro para as gerações vindouras como exemplo de homem público, cidadão, pai e amigo, que, apesar de sua origem humilde, venceu as vicissitudes da vida, conseguindo galgar altos postos na Justiça Sergipana, pela via do estudo e esforço pessoais.” Portanto, parafraseando feliz expressão do renomado processualista José Carlos Barbosa Moreira, em rompante lírico, pode-se afirmar que Thiers Gonçalves de Santana, “antes de abrir os códigos, já tinha impressas na sua alma outras marcas; já havia afinado o seu diapasão interior pelo som de fontes frescas, de sinos longínquos e do sopro da vida, incorporado à palheta espiritual todos os entretons da natureza e, enfim, aprendido que a riqueza da realidade sempre supera a rigidez dos conceitos”, humanizando-os, em sua profícua atividade profissional. A cidade de Frei Paulo e sua gente se orgulham de homens dignos como ele, que contribuíram de forma decisiva para a educação e a justiça em nossa cidade. Thiers deixou um exemplo maravilhoso para as futuras gerações.

sábado, 21 de abril de 2012

Um choque cultural

Poucos acreditavam que iriam asfaltar a estrada que corta Frei Paulo, a conhecida BR 235, mas um dia, o que era apenas um sonho começou a virar realidade. A cidade sofreu um choque cultural sem precedentes. De uma hora para outra fora invadida por homens e máquinas causando uma mudança radical na vida dos freipaulistanos. O escritório da construtora Odebrecht ficava bem atrás do cemitério. Com a chegada de centenas de novos moradores vindos de diferentes pontos do Brasil, instalou-se uma onda de euforia e deslumbramento para o comércio local que passou a faturar mais. Por outro lado as moças da cidade passaram a se apaixonar pelos visitantes. Muitas delas, cairam na lábia e perderam sua virgindade, com peões corredores de trecho que sumiram, do mesmo jeito que apareram na pequena e bucólica província. Foi uma total subversão dos valores culturais locais. Se por um lado foi ruim, por outro foi muito bom, alguns dos peões estabeleceram-se de forma definitiva na cidade. Tudo começou com a chegada de uma subsidiária chamada Comprol, que era de Recife e fazia os trabalhos de topografia. A turma ficou em uma república bem em frente a minha casa na Rua Floriano Peixoto, antigo Beco do Talho. Na casa que pertencia a Ana e Tonho de Dalila, o casal naquele período haviam se mudado para Aracaju. A casa sítio de Seu Luizinho na Avenida José da Cunha, também fora alugada para acomodar os trabalhadores. Foi um tempo muito interessante, e eu me tornei um piolho de cabine, passava o dia nas caçambas pra cima e pra baixo, correndo trechos da estrada, assisti do começo ao fim, e fiz muitas amizades com os nossos visitantes. Havia os que pilotavam tratores muito grandes, conhecidos como Moto Scraper, responsáveis pela terraplenagem, eram gigantes empurrados pelos enormes tratores D-8 Caterpillar. Passei a entender de estradas como ninguém. Por um bom tempo, alimentei a esperança de me tornar engenheiro civil e viver a vida como aqueles peões, construindo estradas por esse Brasil afora. Mas quando descobri que engenharia estava intrinsecamente ligada à matemática, desisti. Lembro de cada um dos amigos da época: Expedito, Honorato, Paulo Mecânico, Luis Caçambeiro, Zé Priquitinho, apontador, João Come Longe, Rasga Magra, Jorge Bafafá, Costinha, Coutinho irmão de Cisso, Job, Zé Costa e Belos Olhos. Este usava um olho azul postiço que quando caia na lama ele sempre dava um jeito de recolocar. Havia também o casal Guerrinha e Vandica, ela era uma velha índia, bem magra. Já eram conhecidos por fornecer alimentação aos trabalhadores em outras obras por esse Brasil afora. Eles montaram um restaurante para servir a peãozada vizinho à casa paroquial. Guerrinha morreu em Frei Paulo, ele fumava muito e isso o levou para a cova. Vi seu atestado de óbito e a causa mortis apontava: insuficiência respiratória. Naquele tempo, eu também fumava, era comum entre os garotos de minha geração fumar cigarro, não se tinha conhecimento dos malefícios do cigarro e as propagandas na televisão eram um apelo quase irresistível. Foi um tempo de prosperidade para a economia de Frei Paulo, pois a construção da estrada gerou muitos empregos para os freipaulistanos e incrementou as vendas no comércio local. Mas muitos perderam a vida nos inevitáveis acidentes que aconteciam envolvendo máquinas e caminhões, foram muitos. Anos se passaram e a estrada foi concluída, e toda aquela gente estranha foi embora, cada um tomou seu rumo. A rotina foi retomada aos poucos, quase sem ninguém perceber. De obras faraônicas como aquela, ninguém mais na cidade ouviu falar. A calmaria foi aos poucos sendo restabelecida, com Bigodão da Energipe, sendo responsável pelo fornecimento de energia elétrica e Zé Vermelho da Deso, pelo abastecimento de água da cidade. Aos poucos tudo voltou à sua normalidade.

sexta-feira, 20 de abril de 2012

O homem que ao chão se deu

Quando mamãe tinha aquela bodega na feira, eu só gostava de trabalhar servindo cachaça, toda hora chegava uma mulher sertaneja e pedia "zinebra". Era uma garrafa esverdeada com o nome "Genebra Gato", a Guinchard era a mais cara. Eu servia, e adorava ver a careta que elas faziam. Uma careta que eu gostava muito, era a de uma moradora da Fazenda de Batista Félix no Coité, que quando ela queria pagar eu respondia "Né nada não, quer mais uma?" O nome dela era Maria e sua filha Genivalda, chegou a morar lá em casa, ajudando D. Helena nos afazeres domésticos. Um dia Maria saiu bêbada de lá. Ela era uma mulher acostumada com o duro trabalho nas roças, acabamos ficando bons amigos e por isso muitas vezes eu passava finais de semana em sua casinha de taipa na fazenda. Quando Seu Batista passava, dirigindo o seu jeep velho, sem capota, parava e era uma festa para aquela gente humilde. Ele dava dinheiro para os empregados. Pelego um deles tomava muita cachaça, e Batista reverberava com um jeito engraçado prendendo os lábios e dizia ”Ô fidapeste qui bebe” E dava a ele uma cédula verdinha de um cruzeiro, e Pelego, já inchadinho, saia na maior alegria para comprar sua caninha. A sede dessa fazenda, que possuía uma casa muito boa, ao seu redor circulavam porcos, dentre eles um barrão gigantesco, nunca vi um daquele tamanho, pesava quase uma tonelada. Ele só ficava deitado na sombra de um juazeiro, foi ali que pisei em um espinho que até hoje quando lembro tenho arrepios. Era muito boa a vida nas fazenda da Grota Funda,do Coité e varias outras, a terra árida lembrava cenários de filmes de faroeste. Seu Batista, era dono de várias outras fazendas e todos os dias percorria todas elas, nas madrugadas, acompanhava a ordenha do seu imenso rebanho.Algumas vezes acordei de madrugada para acompanha-lo nesse trabalho. E era muito gado que ele possuia e terra a perder de vista. Às 5 da tarde todo o rebanho se reunia na manga das fazendas, aí sim, se via um espetáculo de rara beleza. Mas, algumas vezes acordei de madrugada para ver os vaqueiros tirando leite. Bebi leite quentinho tirado direto do peito da vaca , espumando, era delicioso. E aquele cheiro de curral e o mugido das vacas e dos bezerros, que saudade daqueles momentos. Seu Batista era só sorriso, quando o dia amanhecia, os seus caminhões partiam para Aracaju e ele vestido com roupas simples, mas muito alinhado, com seu elegante chapeu, seguia para a rua, para prosear com os amigos . Ele gostava de brincar comigo e com outros garotos da cidade. Mas suas brincadeiras eram muito pesadas, por isso adorava sua companhia, ele sempre sorridente estendia a mão para um aperto, porém apertava pra valer nossa mão , em tempo de quebrar os ossinhos de nossas mãozinhas tão frágeis. Tudo que ele fazia era engraçado para todos, isso porque ele era considerado o homem mais rico da cidade. Apesar disso, era um exemplo de simplicidade, dava-se ao diálogo com todos e nunca gostou de ostentação. Por essa postura popular, foi eleito prefeito de Frei Paulo por sinal muito bem votado. Apesar do poder que detinha, jamais foi adepto de práticas violentas, muito pelo contrário era um homem pacificador. Pouco ligou para o cargo, na verdade o seu genro Soares, casado com Mércia, era que administrava a cidade. Por ser muito popular e querido principalmente pelos mais humildes , Soares fez carreira na política vindo a se tornar uma das maiores lideranças políticas da cidade. Foi prefeito eleito por duas vezes. Batista era um homem honesto e muito dedicado ao trabalho, por isso enriqueceu, mas levava um vida verdadeiramente simples ao lado de sua dedicada esposa D. Altina,ela era uma guerreira , sempre apoiando o marido e cuidando com muito amor dos seus filhos. Sergio Dantas, o caçula era muito levado e de vez em quando Seu Batista dava-lhe boas regulagens. Um dia assisti a uma delas: -Você abusou moço? -Abusei. -Como é que se diz moço? -Abusei sim senhor. Quando Antonio Dantas Nunes faleceu, em trágico acidente , vi Seu Batista aos prantos, amava tanto aquele filho, que por anos e anos dava para perceber o seu semblante abatido e sua profunda melancolia. Bem que ele tentava disfarçar, empenhando-se cada vez mais no trabalho. Depois outra tragédia, a morte também prematura da filha Ana Dantas. Essa moça, era muito ativa na cidade , foi ela quem fundou a Boate Spring Flawers, e era uma pessoa muito alegre e comunicativa, querida na cidade. Batista Félix deixou um exemplo de trabalho e dignidade, e com seu jeito simples, tornou-se um dos homens mais importantes de sua época, graças ao seu tirocínio, foi que Frei Paulo ostentou o título de maior bacia leiteira do estado e também se destacou na produção algodoeira. Batista foi o homem que ao chão se deu, uma peça fundamental no desenvolvimento da economia do município.

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Uma mulher virtuosa, um sanfoneiro beberrão


Quando vovó Mizinha mudou-se para a Av. José da Cunha ela já estava com a vida arrumada. Mas sofreu muito na longa estrada, viúva logo cedo e cheia de filhos para criar. Ela casou-se com Tonho Carpina, quando eu nasci já fazia muito tempo de sua morte, mas suas histórias se perpetuaram. Era um tipo alto, falastrão que trabalhava como ajudante de carpinteiro do seu pai Seu Chico. Um dia tascou um beijo em Mizinha que estava na janela e era apenas uma adolescente cheia de sonhos. A partir daí, acendeu nela a chama do amor. Tonho Carpina era também músico e tocava hamônica, uma espécie de sanfona. Com esse instrumento que ele mesmo batizou de “mônquina” animava as festanças da região.
Um dia ele chegou em casa todo rasgado e ofegante, teve um quebra pau no forró e resolveram dar uma surra no sanfoneiro, ele correu para o meio do mato no escuro enquanto era perseguido pelos brigões, a sanfona de vez em quando emitia sons e denunciava onde ele estava escondido. “Mizinha esconda a mônquina, pois o pau quebrou e a polícia está atrás dos baderneiros”
Mas com o vício da bebida, chegava sempre em casa aos tombos, sem dinheiro e bêbado. Minha vó sofreu muito com ele. Um dia levou Mizinha para morar na Serra das Campinas em um lugar distante e ermo, minha mãe D. Helena nasceu lá naquele lugar desolado numa situação de absoluta penúria. Quantas vezes vovó mandou o menino no quintal ver se a galinha botou ovo para misturar com farinha e alimentar os seis filhos pequenos. Lá ele pouco aparecia. Vivia enrabichado atrás de uma rapariga da Serra Redonda.
Sá Benigna e Francisco um dia passou um corretivo no bregueiro. “Que home é esse que não liga pros fio e pra muié? Você tá errado”. As crianças às vezes se alimentavam somente de farinha seca no almoço. Toda vez que leio essa história, me emociono e choro e passo a cada dia, a admirar cada vez mais a pessoa sensacional que foi minha avó Mizinha. É por isso, mirando no seu exemplo de mulher guerreira que encontro razão para cada dia lutar por meus ideais.
Quando eu era garoto ficava impressionado como sua casa na avenida era tão arrumada, tudo limpinho e organizado. Vivia feliz naquela casa, às voltas com suas coleções de figurinha e demostrando seu interesse por política, emitindo opinião sobre os fatos, sempre bem informada. Quem a via assim, não sabe da missa nem a metade. Não mensura o que ela passou nessa vida. Ela morreu aos 104 anos de idade e deixou muito amor plantado nessa longa trajetória. Amor aos filhos e netos aos amigos, eles sempre a admiraram pela sua força, entusiasmo e coragem.
Depois da regulagem que tomou Tonho Carpina a trouxe para morar em um sítio velho na Av. José da Cunha, ali passou a assumir a família, criou uma bebida com o nome de “amorosa" e foi vender na feira de Frei Paulo. Era uma garapa colorida que fez sucesso na época. Assim ela teve uma trégua de quatro anos com o marido ajudando a criar a grande prole, até que ele pegou uma tuberculose que o mandou para a terra de pé junto. Voltou o sofrimento. Um dia o dono do sítio teve que vender a propriedade, ela ficou sem ter para onde ir, graças ao irmão Teixeirinha foi mora num galpão que ele possuía no seu sítio, perto da casa dele. Mas Teixeirinha muito bruto queria bater e brigar com seus filhos, por isso ela sofria muito. Com muito esforço conseguiu comprar uma casa, mas sua situação era de extrema pobreza. Ela lavava roupas na casa do chefe do DNOCS, Dr. Reis que naquele tempo estava construindo uma estrada até Jeremoabo. O escritório ficava em Frei Paulo. Um dia D. Lurdes esposa do Dr. Reis, foi até a casa dela e ficou impressionada com a situação que presenciou: na sala duas redes e uma esteira, no corredor outra rede com uma menina e na sala de jantar mais duas redes. Era tudo que havia na casa. Emocionada ela disse: Mizinha vou lhe ajudar".
Arrumou um emprego no DNOCS para Edgar, seu filho mais velho e ele todos os meses entregava dois salários a mãe, e assim ajudou a criar os irmãos, Bosco o mais novo tinha apenas dois anos nessa época. Essa senhora também conseguiu que vovó lavasse a roupa na casa de outros diretores do Dnocs, assim ela conseguiu trabalhando duro, criar os filhos dando educação e o melhor de si a cada um deles. Depois ainda criou com muito amor e carinho e especial dedicação a sua neta Selma, minha irmã. Mulheres virtuosas como D. Mizinha são raras, raríssimas, acho que não existem mais nos dias de hoje.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

A terapia de Zé Barbeiro


A barbearia de Zé Barbeiro era freqüentada por muitos freipaulistanos. Ele era um homem que tinha paixão pelas caçadas e pescarias e tinha também como hobby, criar passarinhos. No seu local de trabalho, um salão não muito grande na Rua Itabaiana, era cheio de gaiolas penduradas no telhado. Era viuvinha, canário da terra, cabeça, chupa capim, sofrer e um imponente passo preto. Ele cortava o cabelos, fazia a barba e entabulava uma conversa empolgante com o cliente. Muitos procuravam Zé Barbeiro ainda com o cabelo curto, somente para ter o pretexto de conversar com ele, enquanto ouvia a sinfonia dos pássaros. Era pura terapia, um momento de relaxamento. Lembro da cadeira, do envelhecido espelho e até da fragrância dos cremes de barbear. Qualquer pausa lá estava ele na calçada às voltas com suas gaiolas soprando o alpiste, limpando e trocando a água.
Ostentava uma cabeleira branca e que se projetava ondulada para o alto da cabeça, o seus rosto tinha a maior coleção de rugas que já se viu. Apesar da idade avançada, era muito ativo e sua diversão favorita era pescar traíras no Tanque de Beber. Ele ficava em silêncio absoluto, concentrado na vara de bambu subindo e descendo a isca vagarosamente. Costumava usar como isca, uma piaba cuidadosamente escolhida entre as pescadas com o gué. Era como se chamava o minúsculo anzol, onde com bolinhas de pão se pescava piabas. Também Zé Barbeiro às vezes rumava em direção ao açude em longas caminhadas e sempre voltava com seu peixinho na capanga.
Meu pai me levava sempre para ele cortar meus cabelos, ele me colocava sobre uma velha maleta para obter a altura ideal, então ele quase raspava minha cabeça, deixava só aquele pequeno topete de soldado raso. Com uma máquina manual que acionava com os dedos, de vez em quando a máquina mordia o couro cabeludo e as lágrimas desciam. Mas eu chorava era inconformado com aquele corte, eu detestava pra falar a verdade, mesmo porque a moda eram os cabelos longos. Ele sempre resmungava reclamando de meu silêncio e de minha cara amarrada. As lágrimas deciam em profusão quando olhava para o chão e via minha linda cabeleira negra e brilhante indo para o lixo.
Como de médico e louco cada um tem um pouco, Zé Barbeiro, não se fazia de rogado e também aplicava injeções, havia sobre a base de mármore uma pequena caixa metálica com seringas de vidro e agulhas. A própria caixa virava uma espécie de estufa quando aquecida com álcool. De vez em quando, alguém se aventurava a receber suas injeções. Nunca recebeu instrução para tais procedimentos, fazia isso como um prático. Isso nos dias de hoje seria inaceitável.

Cada caçada , cada pescaria era uma nova conversa na cadeira terapêutica de sua barbearia. Era um local freqüentado por muita gente, pois ali mantinha um tabuleiro de damas onde os freqüentadores após os cuidados com a beleza, se deleitavam em acirradas disputas com exímios jogadores. Não havia apostas era só brincadeira, a dama ficava o dia inteiro à disposição dos clientes da barbearia. Ao redor uma platéia de torcedores tinha que assistir a todas as jogadas sem dar palpite. Ai daquele que se metesse na disputa, Zé Barbeiro ficava furioso e com sua voz grave chamava a atenção do peru. Se esse insistisse ele expulsava de seu estabelecimento. Quando alguém tomava um porco a mangação era geral. Assim o tempo passava sem ninguém se dar conta.
Outra coisa que ele gostava era de caçar nhambú e com sua espingarda de feixe, percorrer as matas ao redor do açude Buri e quando dava sorte trazia algumas aves para o almoço da família. Ele assim como muitos em Frei Paulo gostava das caçadas, por isso acabaram dizimando as aves. Outro dia o assisti dialogando eloqüente com seu costumeiro sorriso. Enquanto fazia a barba de Seu Gumercindo, começou a falar sobre a escassez das aves em nossa região. E aquele senhor falava que na sua época, havia fartura de nhambus, perdizes, nhampupés e rolinhas nem se fala. Zé Barbeiro ouviu atentamente o comentário enquanto passava a navalha no rosto do homem, dava até para escutar o barulho da lâmina da navalha escorregando na sua barba cerrada. Zé Barbeiro suspirou e fez esse comentário: “Deu uma murrinha e acabou tudo, boto pó?”

terça-feira, 17 de abril de 2012

Cidalha, Matetê e Batatinha...


Cidalha era um homem com trejeitos afeminados, mas que conservava os hábitos rudes dos homens do campo. Morava na cidade, mas não abria mão da labuta diária na roça onde cultivava feijão, milho e algodão. Vestia-se com suas roupas simples e usava um pequeno chapéu de couro na cabeça. A voz era fina e ele por qualquer motivo fazia estardalhaço. Mas Cidalha, que passava o dia inteiro na lida, ao retornar para sua casa que ficava no beco da Bodega de Zé Fuliá, vinha quase que rastejando. Como um castigo, a partir das 5 da tarde, ele era acometido de uma terrível dor nas costas, que o obrigava a andar daquele jeito, curvado, quase ralando as narinas nos paralelepípedos da Rua de Itabaiana.
Aos sábados era visto na feira com um caldeirão na mão comprando carne e proseando com os feirantes. Era uma figura festejadíssima, muito alegre, onde quer que chegasse. Mas era uma espoleta. Bastava triscar, ele perdia as estribeiras e por horas reverberava, rodopiava, dava um show. Os moleques por isso, não o deixavam em paz. Como ele, haviam outros que eram alvo da moçada, uma senhora bem velhinha que morava na Rua de Itabaiana também tinha o costume de esbravejar quando seu apelido era pronunciado: “Matetê”. Ela ficava transtornada e com o cacetinho que usava para se locomover, já bem velhinha, corria e tentava bater nos velozes moleques. Estes sempre ávidos por perversidades com os mais vehos. Raça ruim essa!
Frei Paulo era um palco ilustrado, onde sempre desfilou figuras antológicas, dentre elas faço questão de destacar Batatinha, o curador de cobras. Era uma figura mística, baixinho, manhoso, viciado nas cartas freqüentava o reservado do bar de Zé Pequeno e o dinheiro que ganhava dos fazendeiros com seu bizarro ganha pão, gastava no pôquer que entrava pelas madrugadas. Ele passava dias e dias jogando e não saia nem para urinar. Tinha uma garrafinha onde ali mesmo na mesa atendia suas necessidades fisiológicas.
Ele chegava a Frei Paulo e passava longas temporadas hospedado na pensão de D. Zefa. Descia dos caminhões pau de arara e cruzava a cidade com uma velha mala de couro onde transportava dezenas de serpentes. Outro dia o flagrei chorando na praça com uma cobra morta na mão, perguntei o que era, e ele com os olhos rasos d’água começou a falar:
- Meu filho, hoje é o dia mais triste de minha vida. Perdi Florisbela. Essa cobra era tudo pra mim, onde eu vou achar outra “maia de sapo” sabida igual a ela? Essa cobra já me deu o dinheiro de comprar uma fazenda.
Chorando copiosamente enterrava a serpente na areia debaixo do pé de fícus. Depois soltou um bocado de cobras ali mesmo e elas tomaram direções diferentes. Em instantes ele começou a emitir com a boca assovios e ruídos esquisitos e as serpentes começaram a voltar todas para a velha mala, fiquei impressionado com aquilo. Ele era um exímio adestrador de cobras e tinha como profissão, curar pastos. Os fazendeiros que tinham reses mortas por picadas de cobra contratavam seus serviços; era na verdade um golpe nos coitados.
Ele chegava ao pasto, soltava suas cobras adestradas, depois de rezar, emitia sons esquisitos e as serpentes vinham para sua mala. Depois cobrava pelos serviços informando ao fazendeiro que seu rebanho estava a salvo, pois, dali havia retirado todas as cobras venenosas de sua fazenda. E eram muitas. Dizem que ele retirava o veneno das serpentes e as condicionava. Essa era sua profissão, curador de cobra. O unico que conheci até hoje. Ele percorria diversas cidades até mesmo de Alagoas, Pernambuco e da Bahia. Tempos depois, chegou à cidade a notícia de sua morte. Batatinha havia morrido já velhinho. Teria sido picado por uma jararacuçu que ele começou a criar.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

O iconoclasta do sertão


Rosendo de Catita talvez tenha sido o tipo mais folclórico de Frei Paulo. Eu e Sergio de Zé Pequeno fomos visitá-lo na Chã, quando ele repousava em seu leito de morte. Morte essa que ele conseguiu enganar por muitas décadas, apesar da vida decrépta que sempre levou. Ele era uma figura tosca que perambulava pelas ruas, mas era cheio de filosofias e conversas que deixavam os populares de queixo caído. Vestia-se com roupas esquisitas, e sempre maltrapilho contradizia a tudo que poderia se considerar uma vida normal. Cansei de ver ele na avenida, no tempo de chuva bebendo água nas poças, aquela água amarelada do barro do sertão que deixava sua longa barba branca com aquela coloração amarelada. Dormia em qualquer lugar, na sombra das arvores, no oitão da igreja onde soprava um vento frio dos pólos. Ele apesar dessa vida louca, tinha uma mulher, era conhecida por Catita, dela não tenho qualquer lembrança.
Seu nome era José Rosendo dos Santos, até hoje ninguém sabe exatamente sua origem, mas no passado ele costumava chegar em Frei Paulo montado em sua bonita besta pedrez. Era uma besta esquipadora, é tanto que virou bordão na cidade, Quando se queria fazer chacota com alguém muito apressado, dizia-se: “Você esquipa que só a besta de Rosendo”
Certo dia ele chegou para as pessoas e disse que seu nome a partir de então, seria Rosendo Lobo e não dos Santos, numa referência aos lobos guarás que freqüentavam os canaviais. Ele além de beber desbragadamente, gostava de gastar seu tempo fazendo desconcertantes apologias da cana. O alambique de seu Antônio de Germino era roteiro certo de suas andanças. Quando alguém dava pitaco ele prontamente retrucava: “Bebo o dinheiro é meu e não é da conta de ninguém” ou ainda recitava nos becos e vielas, quadrinhas do tipo; “Bebe o rico na fazenda pra não dá o que saber, bebe o pobre no trabalho, escondido pra ninguém ver. Em qualquer ocasião, pra quem tem educação beber não é defeito não”
Aonde ele chegava tinha uma história interessante e platéia é o que não faltava para ouvir suas lorotas, por sinal sempre criativas e originais. Outro dia narrou ele:
“Eu vinha de Ribeirópolis e quando cheguei na Serra Redonda, apareceu um homem de fino trato, todo elegante e sorridente. Então lhe perguntei: Quem é vosmecê?
- Meu nome é Satanás.
-Satanás, o fute, Belzebu?
-Ele mesmo em pessoa.
-E o que faz você por aqui?
Ah, eu venho aqui na terra para ajudar as pessoas, estou sempre à disposição do povo, ajudando as pessoas, não sou aquilo que pensam de mim.
-Como? Não entendi.
-Por exemplo, agora você quer ir pra Frei Paulo né? Pois suba na minha cacunda e deixe comigo.
Meio desconfiado subi na cacunda do bicho e ele imediatamente começou a voar, vi que já estava longe da cidade e pedir para descer, o bicho começou a rodar e nada de me soltar, quando ele ia passando perto do cruzeiro da igreja eu disse me deixe perto da cruz. Quando falei a palavra cruz ele tomou um susto e me largou no pé do cruzeiro, foi a minha sorte. Se alguém não acredita no que digo, pergunte ao finado Zé Porta Rasa” O livro de minha avó D. Mizinha, com riqueza de detalhes, conta essa e várias outras historias protagonizadas por Rosendo. Um dia ele estava mijando no alpendre de uma casa e Dona Anáide ao se deparar com aquela cena gritou: “Vai mijar na sua casa seu filho de uma égua” e ele respondeu “Coincidência... Por falar em égua me lembrei de sua mãe.” Quando Antônio de Germino foi tomar satisfação ele tirou de letra, alegando que não se lembrava de nada daquilo. “Meu lema é não discutir, principalmente porque das cachaças que já bebi a melhor é a do alambique Ibiracema”.
Rosendo era um sujeito avesso ao trabalho, nunca trabalhou na vida , segundo contam os mais velhos, alguns chegavam para ele e perguntavam: Rosendo você não tem vontade de trabalhar?
-Às vezes me dá uma vontade louca de trabalhar, então eu procuro um canto e fico quietinho esperando a vontade passar. Certa feita, um avião teco teco entrou em pane e fez um pouso forçado na avenida. Ao se deparar com a aeronave Rosendo teve uma atitude intempestiva, ninguém conseguiu conter sua fúria, e com uma foice quase que destruiu completamente a aeronave, fez um grande estrago no avião, causando a seu proprietário um grande prejuízo. Era um sujeito muito diferente, um iconoclasta das plagas sertanejas, misteriosamente viveu por mais de um século, era um tipo inesquecível que tive o privilégio de ser contemporâneo.

domingo, 15 de abril de 2012

Cuidado com o tarado


Quando eu tinha 12 anos, A cidade estava em polvorosa. O medo tomava conta de muitos, inclusive de mim que tremia só em pensar na possibilidade de ficar cara a cara com o monstro que aterrorizava a cidade. Em todo canto que eu chegava ouvia uma nova estória relatando mais um ataque. “Dessa vez foi na casa de fulana”. O medo passou a fazer parte da rotina principalmente das mulheres. Ninguém queria ficar diante do tarado. Ele, ou eles agiam de preferência à noite, mas ouvi inúmeros relatos de ataques matutinos e vespertinos. Não sabia eu que o tal monstro era um libertino que estava tão somente satisfazendo a luxúria, a libertinagem e a concupiscência de mulheres pecaminosas. Segredos de alcova que abusava de minha inocência.
Um dia eu andava pela avenida e vi um tumulto na casa de Mané, era por volta de dez da manhã e sua esposa estava desmaiada no seu quarto. Sofrera um ataque do tarado. Mané ao tomar conhecimento do ocorrido chegou em casa apressado e com seu chapéu preto que tinha uma catinga miserável, colocou sobre o rosto da esposa para que esta recobrasse os sentidos após a libidinosa investida do maldito. Cada um tem seu jeito de curar o efeito da perniciosa ação do tarado. Esse logo deu resultado.
Ela levantou-se da cama lânguida com uma cara de santa pudica, para não usar uma palavra que com certeza o leitor já imaginou. “Eu estava no quintal estendendo a roupa quando aquele homem se aproximou fumando um cigarro estranho, quando senti aquele cheiro fiquei ariada e não vi mais nada” Mané encafifado, coçou vagarosamente a testa.
Mulheres e homens da vizinhança além de acudirem à coitada, prestaram solidariedade ao marido. Essa cena com o passar dos dias foram se tornando corriqueiras, causando medo nas mulheres. Vez por outra, se ouvia dos quintais gemidos e em seguidas gritos “Socorro oi o tarado” Era uma epidemia, até hoje ninguém conseguiu pegar o tal tarado, depois fiquei sabendo que eram muitos tarados atacando até mesmo em suas alcovas, mocinhas virgens e até distintas senhoras casadas da comunidade. Mereceu até palavras do padre no sermão. O delegado imprimia diligências infrutíferas. Algumas coroas balzaquianas quando gritavam por socorro , torciam o nariz e as coitadas eram motivo de galhofa.
Uma conhecida moça da cidade com medo do tarado, pediu a minha mãe para que eu fosse dormir com ela na sua casa, eu fui durante várias noites, seus pais estavam viajando e ela com medo me pediu esse favor. Um dia no meio da madrugada ela me acordou assustada. “O tarado está forçando a porta do quintal” Apesar do medo que tinha desse monstro fui até lá e vi com meus próprios olhos a porta sendo forçada. Fiquei apavorado e sai correndo para a rua chamei o vizinho e este veio com um revolver, abriu a porta e efetuou alguns disparos em direção ao escuro.
Mais uma vez o tarado conseguiu escapar. Por isso não parou de agir, esse foi descoberto todos viram ele pulando o muro da Rua do Cinema. Dias depois surgiu um comentário que a moça mantinha um caso amoroso com esse suposto tarado. Nem mesmo uma respeitada professora da cidade foi poupada pelas investidas do tarado e eram vários tarados agindo em horários e modos diferentes. Um dia conversando na praça com Cucuta, ele esclareceu para mim que essa estória de tarado era pura balela. O que havia na cidade era muita putaria, de mulheres safadas, gaieras, traindo seus maridos e inventando essa desculpa esfarrapada de tarado. Ainda bem, a partir daquele dia perdi o medo de tarado.

sábado, 14 de abril de 2012

Frei Paulo de chuteiras


Até parece que foi ontem. Eu era um menino de calças curtas, com oito anos de idade. Em 2010 completou quarenta anos. Meu Deus como o tempo voa. Estava na casa de D. Cacilda na Rua de Itabaiana e ela enquanto cantarolava uma cantiga de forró do “Crepúsculo Nordestino” costurava para mim uma bandeira do Brasil, ela cantava: “tengo lengo tengo lengo tengo” e a euforia já impregnava as ruas, todos contaminados por um patriotismo desmedido, fruto da campanha avassaladora de Brasil Grande pregada pela ditadura. Era véspera da última partida que decidiria a copa do México. Dias após a vitória, Clodoaldo desfilou nas ruas de Frei Paulo em carro aberto e foi saudado por uma multidão.
Naquele dia acordei cedo e vestido a caráter, de verde e amarelo sai empunhando minha bandeira cheio de orgulho. Na porta do bar de Zé Pequeno, logo cedo já havia uma concentração de técnicos discutindo a escalação do time, e que time. Pelé, Tostão, Rivelino, Jairzinho e claro Clodoaldo que por ironia do destino seria um filho da terra e um dos integrantes do elenco de ouro. Por lá Joãozito, Epitácio, Chicão, Cisso Pinguinho, Zé Totonho, Ranulfo, Soares, e o próprio Zé Pequeno já coordenava as apostas. Ninguém falava em derrota, em questão, somente de quanto seria o placar a favor do Brasil. Às dez horas da manhã o bar de Dário já estava lotado, nas mesas cheias de cerveja Brama, o clima era de puro otimismo. Por lá Djalma, Tonho de Batista, Selmo de Normando, Dedé de Mané Bomzinho e muitos outros, já comemoravam antecipadamente a vitória do Brasil. O placar não poderia seu melhor, Brasil 4 Itália 1.
Todos teciam comentários elogiosos ao técnico Zagalo, neste dia sai percorrendo os quatro cantos da cidade e aonde chegava a conversa que ouvia era só elogios ao Zagalo, ele foi o único a conquistar o título de campeão do mundo como jogador e como treinador. Naquele dia, fui a todos os locais onde os grupos se reuniam. Na bodega de minha mãe, D. Helena, na de Zé Siqueira e Seu Augusto, na de Seu Jozino, na de Salomão, no Bar de Zé Fuliá, ali um grupo já festejava a vitória com brindes de casca de pau. Outro grupo alegre se formava na bodega de Seu Horácio na Praça da Feira. Outro termômetro eram as barbearias, a de Zé Barbeiro, a de Bastião, a de Zezé e a de Mané Fozinho. Este decretava a vitória e completava ”É orde oficiá” A cidade respirava futebol.
Em 1970 poucas televisões existiam, essa foi a primeira copa do mundo transmitida por TV, mesmo assim em preto e branco, portanto a cena mais comum era ver os desportistas passarem com seus radinhos de pilha colados no ouvido, era uma atenção total aos comentários e a Rádio Globo era a líder de audiência naquele dia. Aonde se chegava só se ouvia o hino:
“Noventa milhões em ação, pra frente Brasil, salve a seleção. De repente é aquela corrente pra frente...”
Era uma avassaladora onda de patriotismo e amor aos nossos heróis, uma paixão jamais vista. Aquele era o time dos sonhos, na linha de frente, liderados por Pelé, no auge de sua carreira, que aos 29 anos, deixaria ao mundo um legado de jogadas geniais, os jogadores brasileiros trouxeram a taça Jules Rimet na Copa do Mundo de 1970, no México. A consagração do melhor futebol do mundo. A mascote da Copa do México foi Juanito, um menino sorridente que aparecia com um sombrero e uma bola sob seu pé direito. Quem odiou a figura foram os mexicanos: "horrível, óbvio, de mau gosto, perigosamente folclórico e insultuoso".
Frei Paulo se transformou numa cidade em êxtase ao fim daquela partida. Alheio à realidade política da época, corri alegremente pelas ruas, gritando Brasil, Brasil Brasil e comemorando aquele momento de gloria inesquecível. Em 1970, o Brasil vivia a euforia do "milagre econômico" com o PIB crescendo a taxas elevadas, concomitantemente a uma enorme repressão política sob a vigência do AI-5. O governo do general Médici (1969-1974) utilizou-se da vitória da seleção no México para reforçar sua campanha ufanista, sintetizada no lema: "Brasil, ame-o ou deixe-o."

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Todos preferem a avenida


Um grupo de amigos segue para a avenida. Passamos em frente ao antigo Talho Municipal prédio antigo onde funcionou uma serraria. Lá dentro um único funcionário ás voltas com enormes tábuas entre maquinas e montanhas de pó de serra. Airton de Nicinha grita na porta “ÊÊ Zé Calolô, cabelo de ourôrô” isso deixa furioso o baixinho, filho mais velho de Seu Hilarino e D. Caçula. Ele vem com uma ripa na mão e o grupo corre em direção à avenida onde a pelada era diversão garantida. A turma era de colegas bons de bola, se reuniam toda tarde, Marquinhos de Daniel, Mario de Tonho de Dalila, Bruglei filho de Nete e Tonho, Celso de Zé Pequeno. Bento de Diógenes e muitos outros. As partidas eram vez por outra interrompidas pela passagem de grandes boiadas, elas vinham do beco do monturo avançavam pela avenida de dimensões continentais indo até a casa de Seu Zequinha, a última da Avenida que na verdade era um sítio incrível onde se cultivava toda sorte de frutas e até mesmo pimenta do reino. Ali todo o gado simplesmente desaparecia tomando o rumo da Imbira.
Toda vez que essas boiadas passavam era um show de vaquejada. Um garrote cismava em voltar à fazenda de origem e a Avenida José da Cunha era o local escolhido para o ilustre ruminante, numa disparada alucinante desafiar os vaqueiros. Estes em seus cavalos partiam velozes para cercar o animal e trazê-lo de volta à boiada. A impressão que se tinha era que eles passaram meses e meses ensaiando aquela linda performance. Todo rebanho que passava dava seu espetáculo, e nós interrompíamos o jogo para assistir com o maior prazer. Bem diferente eram os comboios de burros egressos do alambique, esses por sua vez vinham na direção contrária, cada um trazendo dois barris de cachaça. Esses animais conformados, não faziam qualquer estardalhaço simplesmente trotavam ligeiros levando sua preciosa carga em longinquas viagens.
Sim, era na avenida a residência de muitos personagens marcantes, ali também ficava o Fomento onde em qualquer distração de seu Manoel do Fomento, seu administrador, sorrateiramente adentrávamos a fantástica fábrica. Ficávamos escondidos entre fardos de lã e montanhas de algodão em travessuras impagáveis, saltos desconcertantes e brincadeiras de “mãozo” que duravam horas e horas de puro divertimento. No fim da tarde saia todo mundo com a pele encaroçada pela alergia provocada pelo algodão. Atrás de álcool para amenizar a coceira.
As peladas na avenida eram sempre interrompidas, daqui a pouco uma nuvem se aproximava. Eram as tanajuras que eram recebidas com cantigas pela molecada: “cai cai tanajura na panela da gordura”. A nuvem passava entre os oitizeiros e os moleques a gritar e encher bolsas de papel, pedidas nas bodegas. Quando perdem as asas as tanajuras parecem formigas gigantes. Elas de fato são mesmo formigas, serviam para muitas brincadeiras e inclusive para tira-gosto para um grupo de biriteiros que se instalava ali em frente a bodega de Seu Jozino. Até mesmo as tanajuras preferiam a avenida para cumprir sua sina. A avenida sempre foi um vibrante pedaço da pacata Frei Paulo, com sua poeira vermelha às vezes contemplada em pequenos tornados.

quarta-feira, 11 de abril de 2012

O Senhor dos Sapos


Saímos da igreja naquele domingo, todos impressionados com as duras palavras do padre João Lima. Naquele dia a pregação foi uma implacável lição na molecada. Ele chamou a atenção das mães e cobrou uma providência para as molecagens que imperavam na cidade. Sugeriu surras e castigos. Eu sai dali sem graça, como se sobre os meus ombros pesasse todo o opróbrio dos malfeitos da cidade. Ele estava muito chateado com atitudes de vândalos que estavam depredando o educandário, quebrando os filtros e sujando as paredes. Nunca gostei de fazer esse tipo de coisa, preferia mais as molecagens que não causassem prejuízos materiais. Pra falar a verdade eu gostava muito mais das xingas do que da traquinagem propriamente dita.
Sem graça li a carta de São Paulo aos Corintos e sai naquele dia para o recanto sacrossanto do meu laboratório de cientista louco. Fui ter com meus sapos guardados em caixas de sapato, os maiores já vistos na cidade. Houve um momento na missa que o padre discorreu sobre as sete pragas do Egito e entre elas, enfatizou a invasão dos gafanhotos. Pois não é que naquela mesma noite a cidade fora invadida por exércitos de grilos. Quando vi aquilo fiquei assustado, era uma noite de inverno e tudo parecia tão diferente. Nuvens de grilo se formavam no coreto, na porta da igreja na porta da prefeitura. Enfim onde quer que tenha uma luz acesa.
No dia seguinte libertei todos os meus sapos e estes foram ao Tanque de Beber, e em cópulas magistrais se multiplicaram aos milhares e imbuídos de uma honrosa missão por mim determinada. Até as poças ficaram coalhadas de batráquios. Como que obedecendo à ordem de rei, subiram a ladeira e iniciaram uma providencial limpeza na cidade. Somente os baratões eu pedi que os poupassem, pois sempre gostei deles e também, sapo nenhum consegue engolir um inseto daquela magnitude.
À noite reuni todo meu exercito na praça, como um déspota, puni os rebeldes, persegui e matei impiedosamente os desertores. Fui atingido por leite de sapo nos olhos, tentando fazer justiça com os próprios pés, ardeu muito, mas não fiquei cego. Mais um mito que caiu por terra. Determinei um ataque devastador aos grilos e eles me obedeceram devorando os insetos com suas hábeis linguas, ligeiras como labaredas de fogo. O resultado foi trabalho dobrado para Bizoca, ele encheu a carroça de cocô de sapo, Juca os recolheu e a vida da cidade graças a minha sapiência e heroísmo voltou ao normal.
No domingo seguinte voltei à igreja com o coração em paz, padre João me olhou com aquele olhar amoroso de sempre. Com aquele manhoso sorriso que só ele sabia dar, agradecido por eu ter salvado a cidade. Li a carta de São Paulo aos Efésios e depois sai com os amigos para planejar novas molecadas, afinal isso aqui é ou não é São Paulo Moleque? E que nuvem é aquela? É tanajura. “Cai cai tanajura na panela da gordura”

quinta-feira, 5 de abril de 2012

A emancipação política de Frei Paulo


No dia 23 de outubro de 1920. Mizinha, minha saudosa avó já era uma mocinha. Por volta das 5 horas da manhã, ela acordou , naquela manhã histórica, ouvindo uma salva de morteiros. A fumaça dos disparos se misturava à neblina. Era um dia tão especial que dava para sentir nos olhares, o orgulho e a sensação de feliz cidadania contagiava todos. Os transeuntes da Vila São Paulo deixaram de lados seus trajes simples do cotidiano, calças de cutin e as botinas de couro conhecidas por roló, para usar suas melhores vestes, afinal o dia era especial e de festa cívica. Essa foi a data que a União Lira Paulistana mais tocou seus lindos dobrados. Comerciantes, industriais, pecuaristas da região vestiram-se a caráter, nos seus ternos de linho branco; e imponentes percorriam as ruas em direção à Praça do Mercado, que era a praça do coreto. Ali houve o asteamento do pavilhão nacional em frente à intendência.
Teve início então, a solenidade de comemoração da emancipação política de nossa cidade. O Dr. Gentil Tavares leu diante de todos o decreto do Governador Pereira Lobo que elevava a Vila São Paulo à categoria de cidade, tornando-se independente da Vila de Santo Antônio e Almas de Itabaiana. Em seu vibrante discurso, explicou que de agora em diante a cidade estaria independente podendo ter seu prefeito eleito com o voto soberano do povo. A alegria foi grande neste momento e os aplausos e sorrisos anunciavam uma grande batalha vencida. Após a missa, realizada às 9 horas na matriz, contando com ilustres presenças do Conselho Municipal, dos futuros membros do Poder Judiciário. O prefeito Major Tibério Teixeira foi empossado logo em seguida pelo juiz Dr. Flávio.
Houve um desfile muito bonito que percorreu as ruas da cidade, às 15 horas, em sua residência o prefeito Major, deu uma recepção na qual participaram os mais importantes segmentos empresariais da cidade e também todas as pessoas que quisessem cumprimentar o novo prefeito. A festa avançou naquela tarde inesquecível. E, em frente à prefeitura o Dr. Gentil Tavares realizou uma sessão cívica em homenagem ao Governador Pereira Lobo e ao Capitão João Tavares que recebeu o título de filho mais ilustre do novo município. Uma homenagem justa e mais que merecida, pois foi ele o maior articulista da emancipação política de nosso município. Há poucos dias houve um desfile das escolas comemorando essa data, ela é muito importante porque marca uma nova era de progresso e desenvolvimento de nossa cidade.

segunda-feira, 2 de abril de 2012

A paixão por carros


Quem poderia esquecer aquela tragédia. Edmundo entrou com tudo na curva da praça. Aquilo era comum entre os caminhoneiros, sempre abusavam naquela curva descendo a Rua de Itabaiana. Mas naquele dia a cidade calou com tamanha calamidade. O carro ainda derrubou o muro da casa de Vado. Cleidinaldo que escapou fedendo de um acidente num bugre dirigido pelo primo rico na estrada de Carira morreu sob toneladas de madeira também faleceu Jorge do Relojoeiro e outro menino filho de Zacarias. Josinaldo ficou gravemente ferido.
O tempo foi longo para esquecer essa tragédia, somente outras que se sucederam. Nego Rico caminhoneiro tarimbado sofrera um acidente de caminhão e amargou anos de reclusão sobre uma cama. Ele era irmão de Edmundo e Tita, ambos também caminhoneiros. A intrínseca relação com caminhões sempre resultou em muitas perdas, se fosse para citar os que tiveram suas vidas ceifadas em acidentes na Rio Bahia, eu ocuparia todo o texto desta singela croniqueta. Mas alguns nomes não podemos esquecer, como Duger, em plena flor da juventude, Aguinaldo, Carlos de Regener,Tonho de Pequeno, Buchinha, Zé Onofre e tantos outros.
Zé Onofre era dono do único posto de gasolina da cidade naquela época. Um dia ele vendeu seu posto e comprou um caminhão Mercedes Benz, conhecidos nas estradas como boiadeiro, É aquele que possui uma gaiola para o transporte de gado. Era comum esse trânsito de boi para o estado de Minas e isso gerava renda para os caminhoneiros . Ele morreu em um grave acidente ao bater com uma carreta carregada de betume. O incêndio queimou a todos e seu corpo voltou a Frei Paulo carbonizado, foi uma tristeza muito grande para a cidade.
Também vimos João Tandola dirigindo uma caçamba, despencar em um precipício na Serra Redonda e após dezenas de capotagens sair incólume, e continuar dirigindo alucinadamente durante a construção da BR 235 que corta Frei Paulo. Outro chofer afoito que fez história foi Zé de Carmem que transportava nossa turma em passeios para a Ribeira , Rio das Pedras e Poço das Moças. “Quando ele bebe dirige melhor ainda”, inventaram esse mito. Ele também levava grupos em seu caminhão para assistir partidas de futebol no Batistão.
A paixão por caminhões e carros sempre esteve associada a mortes e mutilações. O primeiro automóvel de Frei Paulo foi trazido por Totonho Mulungu, era um V 8, sucesso principalmente à noite com os faróis da fobica acesos. Isso aconteceu num tempo que nem se sonhava com energia elétrica. Lá pelos anos 50. As ruas eram iluminadas com lampeões à querosene que logo eram apagados e as casas luz de candeeiro. Depois vieram as empresas de ônibus. A primeira marinete quem trouxe foi Josias Tabaréu . Diógenes também era dono de uma delas antes de fundar o seu bar “O Exato” que ficava ali onde hoje funciona o Banese. Motoristas como Mané de Lunga, cuidadoso e responsavel brincam com seus netos. Os afoitos provocam tragédias, em Frei Paulo foram muitas.
Muito antes de pegar num carro e dirigir, fui piloto de carroça na feira , sendo um dos preferidos pelas velhinhas, rápido, barateiro e respeitador. Clientela garantida. Melhor do que carro de ladeira a caminho do tanque.Descendo todo santo ajuda. Naquele dia eu e o galego de Ranulfo,estávamos radiantes. Ele obcecado por carro, conseguia deixar qualquer um brilhando em troca de uma voltinha que fosse. Eduardo era muito esperto e sabendo dos planos de Abdias o relojoeiro, então partimos para o ataque. O velho não sabia dirigir e estava em transe, feliz da vida com seu novo brinquedo.
Abdias passava o dia em sua relojoaria com aquele mine telescópio nos olhos consertando relógios de corda, sua renda era boa e a noite com um violão participava com muito fervor dos cultos evangélicos da Igreja Presbiteriana na Rua de Itabaiana. Era ele também o pai de Zé da Tampa, Maria e Conceição. Um crente atuante, exemplar que não escondia sua paixão pelos automóveis. Se isso é pecado, ele não resistiu à tentação. Com o dinheiro apurado na indenização pela morte do filho, comprou aquele TL cinza e chamou logo quem para assessoria, eu e o galego de Ranulfo.
A primeira viagem foi para Itabaiana, Eduardo ao volante seguindo de pé embaixo rumo à terra da cebola. Lá chegando fomos para a feira e depois passear na periferia com aquele TL tinindo, quase novinho. Quando paramos ali próximo ao Estádio Presidente Médice, era chegada a tão sonhada hora de assumir o volante, fui logo abrindo a porta. Neste momento ia passando um caminhão e levou a porta do TL, foi horrível Abdias ficou fulo e não parava de falar mal da gente. Em instantes seu sonho estava desfeito. O TL estava todo empenado. Depois que comentamos isso, disseram que foi um castigo, Deveria ele segundo o povo, ter feito a carneira do filho.

domingo, 1 de abril de 2012

Sábado no Cine São Jorge


O cine São Jorge era a casa mais alegre de Frei Paulo. Ali assisti a muitos filmes. Às vezes me ponho a pensar de como eram gratificantes aqueles tempos. Vem logo à mente o cheirinho da pipoca que era vendida ali na porta por Manoel. Era uma pipoca que tinha um sabor especial. Quando não se tinha dinheiro ele nos dava um pouco numa canequinha e saia-se feliz da vida com a pipoca quentinha nas duas mãos. Os anos se passaram e Manoel passou a ser dono do cinema. Lembro dos cartazes bem na frente do cinema, no hall de entrada . O dono era Vado, depois Aguinaldo de Senhor de Cazuza e por último Manoel de Casaca Preta. Vado ficava, às vezes, na entrada recolhendo os ingressos e colocando numa caixa de vidro.
Do outro lado, bem em frente ao cinema ficava a casa das Eulinas, ali as balas artesanais, tão gostosas, eram vendidas em cordas cuidadosamente enrolada em papel manteiga. Balas de leite, banana e mel que derretiam na boca enquanto passavam os trailers, antes de começar a seção. Na casa era um entra e sai permanente de meninos e meninas e elas sorridentes, nos atendia entre bibelôs e rococós. Uma das irmãs, Eulina Pequena era a mais séria. Muito amiga de minha avó D. Mizinha, um dia escreveu algo muito bonito sobre minha querida avó. Na sala havia um lindo relógio antigo, onde parávamos no tempo só para observar quando soavam as badaladas, era simplesmente encantador.
Nada se compara às diversões do cinema, as películas não eram por nós assistidas, eram vividas intensamente. Quando passava os de Karatê, protagonizados pelo imortal Bruce Lee, a molecada sai pela rua desferindo golpes de Karatê pelo ar. As impagáveis comédias de Mazzaropi provocavam longos risos que era um balsamo para a alma. Outro gênero preferido era o faroeste, com destaque para “O dólar furado” e “Se encontrar Sartana reze por sua morte”. Sem esquecer evidentemente dos westerns de Giuliano Gema e Django. Policiais como 007 e os que tinham o ator principal Charles Bronson também atraiam seu público.
O auditório era bem amplo com cadeiras confortáveis em madeira envernizada e a tela bem grande nos dava a impressão de estar vivendo as cenas. Na parte de cima ficava a sala de projeção e mais cadeiras. Olhando pelo buraco da fechadura eu via lá dentro, Seu Valdomiro de óculos de grau, compenetrado comandando aquela grande parafernália, rebobinando as fitas e passando com as latas onde estavam os filmes. Com a mesma dedicação dava-se ao fabrico de móveis numa oficina do mesmo patrão na avenida, esquina com o Beco do Graco durante toda a semana. A exibição durava em média duas horas e era interrompida a cada uma hora, acendia-se as luzes enquanto trocavam o rolo no projetor. Quando o filme era maçante, ouvia-se no meio da exibição gritos do tipo: “Quero meu dinheiro”. E cuidado redobrado para não pegar chiclete nos cabelos.
O cine São Jorge às vezes dava lugar a apresentações artísticas, ali eu já assisti diversos shows, entre os quais: Siri do Forró, Valdick Soriano, Luis Gonzaga entre tantos outros. Apresentações de teatro era também certeza de casa cheia. Os programas de auditório também aconteciam ali, eram comandados por Luis Trindade sob os acordes da orquestra Brasa 10. E também o programa Reinaldo Moura num oferecimento de Farmácia São Paulo e ... Zé Totonho. As versões locais dos programas de auditório com apresentações de calouros, eram comandadas por Pedro de Elpídio e os prêmios para os vencedores. Ah! os prêmios: Latas de goiabada, sardinha etc. Duvido que outras cidades interionas de Sergipe tenham vivenciado tamanha efervescência cultural.