sexta-feira, 16 de março de 2012

O Educandário Imaculada Conceição


Foi o padre João Lima quem fundou o Educandário Imaculada Conceição. Lá eu entrei para estudar no infantil, onde ao lado de outras crianças passava o dia pintando o sete, como se dizia para definir as traquinagens de criança. Era uma escola particular onde os mais abastados estudavam. Minha mãe fazia um grande esforço para proporcionar uma educação de qualidade. Os coleguinhas que não tinham condições estudavam no Grupo Escolar Martinho Garcez. Lá no Educandário permaneci por vários anos até concluir o primário. Era uma escola que exigia muito dos alunos, tendo os melhores professores que por sinal eram quase todos de uma mesma família. A matriarca dessa família devotada à educação era D. Caçula.
E suas filhas D. Iraci e D. Inês eram mestras tarimbadas e experientes, integrantes do quadro de professores. D. Inês ensinava matemática no Ginásio Cônego José Antônio Leal Madeira, era muito rígida e fazia questão de tornar seus alunos bem aplicados. D. Caçula é um exemplo de mestra, dura, correta. Quando seus ensinamentos não eram assimilados aplicava um cascudo que era sua marca registrada. Quando acertava a cabeça ela arrastava a mão pelo couro cabeludo, causando uma terrível dor. Naquela época, era comum as professoras baterem nos alunos por indisciplina, ou até mesmo por burrice. Os próprios pais recomendavam essa prática, dando carta branca aos mestres para aplicar esse e outros castigos.
Já tomei centenas de cascudos de D. Caçula, e nunca conseguir ter raiva dela por isso, às vezes até gostava e ria olhando para a turma. Só não gostava quando ela bradava enraivecida com seus discursos e me incluía num bando de alunos que não acompanhavam o desenvolvimento da turma que ela carinhosamente os denominava de “resto de feira” Era uma metodologia educacional bem diferente dos moldes atuais, onde os alunos não querem mais respeitar a autoridade do professor. A mestra olhava a nossa mão e se as unhas estivessem sujas ela dizia: “unha de cavador de sepultura”
A escola possuía uma ótima biblioteca, não sei por qual motivo, foi isolada e não tínhamos acesso, a não ser, pulando o tapume colocado para esconder aquele tesouro, livros ótimos lidos às escuras. No corredor que dá acesso a biblioteca, um esqueleto humano em uma caixa de vidro nos observava nas idas e vindas à sala de aula. Aprendemos a amar a pátria e as datas comemorativas como 7 de setembro, dia da bandeira, proclamação da república, eram marcadas por homenagens em jograis e encenações teatrais.
Não me esqueço do primeiro ano, quando a professora era D. Iraci, mãe da colega Marta, irmã de Lucrécio, Maria, Cristovão e Melquíria. Era a única que não batia nos alunos e suas aulas eram muito bem assimiladas, principalmente quando o assunto era religião. A escola paroquial nos municiava de informações privilegiadas do evangelho. Ensinava a rezar, a respeitar os mais velhos e a levar uma vida de santidade. Ouvia-se aquilo com muita atenção, mas assim que a sirene tocava o capeta fazia a festa no recreio.
O Educandário possui uma área muito boa, um grande salão coberto com um palco e uma quadra de futsal. O educandário era local de brincadeiras memoráveis e atividades lúdicas, teatro, música, enfim tudo que uma criança precisa para ser feliz entre suas árvores frondosas. Ainda escuto,nos recônditos da memória, a barulheira da criançada no recreio, brincadeiras de roda, de esconde esconde e a sagrada hora da merenda que trazíamos de casa, e às vezes comia-se às escondidas quando o lanche era um pedaço de cuscuz.
A vida de D. Caçula era o educandário, ela era professora do quarto ano e também diretora da escola, rígida,atenta, mas no fundo uma ótima pessoa. Centenas de homens de bem, passaram pelas suas mãos zelosas e não se esquecem de reconhecer a grande mestra que ela foi. Mesmo no recreio D. Caçula, séria e compenetrada, com seus óculos pretos, olhava para todos os lados como um caleidoscópio, a procurar de baderneiros para aplicar seus desconcertantes cascudos, que até hoje me fazem falta.

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