quinta-feira, 29 de março de 2012

Musas e seresteiros


Houve um tempo que o romantismo transbordava em Frei Paulo. A Praça da Matriz e a do coreto eram as preferidas para a paquera que rolava solta. Mas os amores não correspondidos eram curados com a boemia. E em termos de vida boemia a cidade não deixava a desejar. As noitadas regadas à cerveja e violão eram programas bem interessantes de entretenimento da juventude. Frei Paulo tinha excelentes seresteiros e lindas musas para inspirar. O mais antigo deles era João do Violão, um sujeito alto, muito boa praça que trabalhava como pedreiro, mas nas horas vagas tocava sua viola e agradava aos mais coroas. Seu repertório incluía boleros apaixonados e não faltavam as canções de Nelson Gonçalves e clássicos como "Luar do Sertão", "Cabocla" e até “Três Apitos” do genial Noel Rosa.
Onde havia um violão tinha presença garantida dos seresteiros, eles faziam suas apresentações hora nas praças hora em bares da cidade como “O Cortiço”, “Ponta da Asa” entre outros. As vezes o dia amanhecia em meio às cantorias. Também se reuniam nos bancos da Avenida. As musas também gostavam das apresentações, mas escutava de longe seus apaixonados mostrarem o talento artístico entoando canções românticas como as do rei Roberto Carlos, suas músicas eram as preferidas. Carlinhos de Josino marcou época com sua viola. Tocava muito bem e já participou de inúmeras serestas. Tocava lindas canções de Benito di Paula e não podia faltar “Trem da Onze” de Adoniran Barbosa. Mas todo mundo ficava fulo quando Paulo Boto tentava fazer a segunda voz.
Outro que também marcou época com seu violão foi Fernando, tocava de ouvido e levava qualquer música, era um dos mais completos, excelente músico e conhecedor dos sucessos da época. Outro exímio violonista era Baiano, bem magrinho e usando um cavanhaque, tinha jeitão de artista e tocava muito bem seu violão. Era um dos cantores mais apaixonados, o repertório eclético, mesmo porque estava passando por uma crise sentimental muito grande. Esse era um dos melhores violeiros de Frei Paulo. Outros arranhavam, mas mesmo assim passeava rua acima rua abaixo carregando o instrumento. Eu, Sergio de Zé Pequeno e Lucrécio esse só tocava “Dia de Santo Rei” de Tim Maia. E Carlos Alberto “A desconhecida” de Fernando Mendes.
Frei Paulo sempre foi uma cidade cultural, a música está no sangue do povo. Um exemplo disso é a filarmônica da cidade que forma dezenas de jovens na música clássica. Músicos virtuosos forjados na batuta de João de Santa, mestre que ensinou a muitos jovem a leitura da partitura. As retretas da União Lira Paulistana são inesquecíveis e quem não se arrepia ouvindo lindos dobrados executados na medida exata da perfeição. Os romances iam e vinham, como se diz hoje em dia, a fila anda, e andava também naquela época; deixando alguns corações partidos, mas as mágoas o tempo inexorável fez questão de apagar. Mas os acordes dos violões plangentes estes se reinventam e estão vivos até hoje. E se der saudade, não tem problema, como diz o cancioneiro popular, recordar é viver.

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