quinta-feira, 19 de abril de 2012

Uma mulher virtuosa, um sanfoneiro beberrão


Quando vovó Mizinha mudou-se para a Av. José da Cunha ela já estava com a vida arrumada. Mas sofreu muito na longa estrada, viúva logo cedo e cheia de filhos para criar. Ela casou-se com Tonho Carpina, quando eu nasci já fazia muito tempo de sua morte, mas suas histórias se perpetuaram. Era um tipo alto, falastrão que trabalhava como ajudante de carpinteiro do seu pai Seu Chico. Um dia tascou um beijo em Mizinha que estava na janela e era apenas uma adolescente cheia de sonhos. A partir daí, acendeu nela a chama do amor. Tonho Carpina era também músico e tocava hamônica, uma espécie de sanfona. Com esse instrumento que ele mesmo batizou de “mônquina” animava as festanças da região.
Um dia ele chegou em casa todo rasgado e ofegante, teve um quebra pau no forró e resolveram dar uma surra no sanfoneiro, ele correu para o meio do mato no escuro enquanto era perseguido pelos brigões, a sanfona de vez em quando emitia sons e denunciava onde ele estava escondido. “Mizinha esconda a mônquina, pois o pau quebrou e a polícia está atrás dos baderneiros”
Mas com o vício da bebida, chegava sempre em casa aos tombos, sem dinheiro e bêbado. Minha vó sofreu muito com ele. Um dia levou Mizinha para morar na Serra das Campinas em um lugar distante e ermo, minha mãe D. Helena nasceu lá naquele lugar desolado numa situação de absoluta penúria. Quantas vezes vovó mandou o menino no quintal ver se a galinha botou ovo para misturar com farinha e alimentar os seis filhos pequenos. Lá ele pouco aparecia. Vivia enrabichado atrás de uma rapariga da Serra Redonda.
Sá Benigna e Francisco um dia passou um corretivo no bregueiro. “Que home é esse que não liga pros fio e pra muié? Você tá errado”. As crianças às vezes se alimentavam somente de farinha seca no almoço. Toda vez que leio essa história, me emociono e choro e passo a cada dia, a admirar cada vez mais a pessoa sensacional que foi minha avó Mizinha. É por isso, mirando no seu exemplo de mulher guerreira que encontro razão para cada dia lutar por meus ideais.
Quando eu era garoto ficava impressionado como sua casa na avenida era tão arrumada, tudo limpinho e organizado. Vivia feliz naquela casa, às voltas com suas coleções de figurinha e demostrando seu interesse por política, emitindo opinião sobre os fatos, sempre bem informada. Quem a via assim, não sabe da missa nem a metade. Não mensura o que ela passou nessa vida. Ela morreu aos 104 anos de idade e deixou muito amor plantado nessa longa trajetória. Amor aos filhos e netos aos amigos, eles sempre a admiraram pela sua força, entusiasmo e coragem.
Depois da regulagem que tomou Tonho Carpina a trouxe para morar em um sítio velho na Av. José da Cunha, ali passou a assumir a família, criou uma bebida com o nome de “amorosa" e foi vender na feira de Frei Paulo. Era uma garapa colorida que fez sucesso na época. Assim ela teve uma trégua de quatro anos com o marido ajudando a criar a grande prole, até que ele pegou uma tuberculose que o mandou para a terra de pé junto. Voltou o sofrimento. Um dia o dono do sítio teve que vender a propriedade, ela ficou sem ter para onde ir, graças ao irmão Teixeirinha foi mora num galpão que ele possuía no seu sítio, perto da casa dele. Mas Teixeirinha muito bruto queria bater e brigar com seus filhos, por isso ela sofria muito. Com muito esforço conseguiu comprar uma casa, mas sua situação era de extrema pobreza. Ela lavava roupas na casa do chefe do DNOCS, Dr. Reis que naquele tempo estava construindo uma estrada até Jeremoabo. O escritório ficava em Frei Paulo. Um dia D. Lurdes esposa do Dr. Reis, foi até a casa dela e ficou impressionada com a situação que presenciou: na sala duas redes e uma esteira, no corredor outra rede com uma menina e na sala de jantar mais duas redes. Era tudo que havia na casa. Emocionada ela disse: Mizinha vou lhe ajudar".
Arrumou um emprego no DNOCS para Edgar, seu filho mais velho e ele todos os meses entregava dois salários a mãe, e assim ajudou a criar os irmãos, Bosco o mais novo tinha apenas dois anos nessa época. Essa senhora também conseguiu que vovó lavasse a roupa na casa de outros diretores do Dnocs, assim ela conseguiu trabalhando duro, criar os filhos dando educação e o melhor de si a cada um deles. Depois ainda criou com muito amor e carinho e especial dedicação a sua neta Selma, minha irmã. Mulheres virtuosas como D. Mizinha são raras, raríssimas, acho que não existem mais nos dias de hoje.

Um comentário:

  1. O bom é ser neta dela.E ainda ser irmã do escritor que descreve de forma fidedigna e simples um pedaço da sua vida.

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