quinta-feira, 26 de abril de 2012

O professor Tupinambá da Bahia

Na minha infância de menino travesso no sertão sergipano, convivi com figuras que muito bem poderiam povoar as páginas dos romances do genial Gabriel Garcia Marques, autor do best seller “Cem anos de solidão”. Eram tipos inesquecíveis . Meu pai era dono da Farmácia São Paulo em Frei Paulo. E ali ao meu lado, arrumava as caixas de remédio que um representante acabara de trazer, quando entrou na farmácia um sujeito muito esquisito , cabelos longos e negros, bigodão, olhos rodeados de infinitas pálpebras, vermelhos, indormidos. -Um envelope de Engov, por favor. Seu Bastos se dirigiu ao balcão e de dentro tirou o pedido do tal forasteiro e o entregou. Ele imediatamente começou a amassar o envelope transformando-o numa bolinha enquanto com olhar fixo pronunciou: -O Senhor tem condições nacionais e internacionais de me confiar esse remédio. Seu Bastos, com aquela fúria no olhar, passeou velozmente o palito de um lado a outro da boca e arrebatou de suas mãos os comprimidos e bradou um rotundo não. O tal homem sem camisa, aparentando ter lá seus 60 anos, seguiu em direção a pensão de D. Zefa, com aquele caminhado desengonçado cruzou a praça Capitão João Tavares. Achei-o engraçado e sai atrás dele. Na hora apareceu Geraldo de Mané Bonzinho e passamos a seguir o curioso estranho. Dirigiu-se a nós de forma amável e cortez, parecia um anjo, e nos convidou para um passeio em seu carro. Assim que sentamos no banco traseiro, ele arrastou com seu opala velho em alta velocidade na direção do Curral do Açougue, não parava de desferir tapas e mais tapas. (foram momentos de tensão e muito medo) Nosso choro não sensibilizou o facínora, que a toda velocidade rumava em direção a Carira. Ele se deliciava com a situação. Que sujeito mais esquisito. Por sorte, o carro faltou gasolina e ele foi lá mexer no motor. Já próximo à ponte do Rio Salgado. Eu e meu colega escapamos e voltamos a toda para a cidade. Isso aconteceu numa sexta-feira e sábado pela manhã no meio da feira lá estava ele cercado de gente incauta. Pregava ele com seu olhar místico, como os profetas do velho testamento, a pregar o apocalípse: "Eu sou o Professor Tupinambá da Bahia, passei duzentos anos na mata virgem comendo planta e raiz de pau". Pronunciava com profunda convicção essas palavras. O cara era um celerado, um louco, mas era criativo. Não faltava quem se dispusesse a pagar uma consulta onde ele procurava arrancar cada centavo dos pobres sertanejos, mediante mentiras criadas na hora, para cada situação. Hora dizia que a vítima estava sendo traído pela mulher. Por outra era o irmão que estava querendo lhe passar a perna na herança. O professor era um picareta de marca maior, um famoso vigarista, um salafrário e ladrão que tinha como profissão engabelar os coitados que caiam no seu conto. Dizia ele, a um agresteiro: “Não faça feira não para aquela infeliz, dê esse dinheirinho ao Professor Tupinambá que tudo vai ficar bem na sua vida. E num canto, se contorcia, fazia presepadas com as mãos e orações que pelo jeito deviam até falar mal de Deus. Esse famigerado Professor Tupinambá vivia pelas feiras do Nordeste enganando a um e a outro na sua vida de charlatanismo profissional. Talvez por isso, tinha a triste sina de ser um beberrão incorrigível. Por isso no auge da ressaca ia para as farmácias mendigar um comprimido de engov. Assim que acabava de atender um cliente, aquele pobre diabo ia direto para a vendinha e entornava um copo cheio de cachaça. Fumava desbragadamente cigarros da marca "Gaivota". Tinha na face, como que escrito que era um vigarista, mas mesmo assim, não faltava quem caísse no enredo de suas tramóias. No pescoço trazia vários colares do candomblé. Cabelos longos, negros em desalinho, barba por fazer. Um bigode que ele cuidadosamente enroscava nas pontas. Era branco, musculoso e ostentava um corpanzil corcundo, barrigudo e o rosto cheio de rugas. Sua voz lembrava o ronco de trovão, seu olhar traduzia uma constante sensação de desespero. Olhos injetados e se expressava gesticulando em demasia. Domingo bem cedinho, do alto falante da Matriz, ouvia-se a voz do Pe. Zezinho cantando "Estou pensando em Deus” enquanto aquela criatura diabólica, desta vez com uma nota de dez na mão, dirigiu-se a meu pai que abria a farmácia -O senhor tem condições nacionais e internacionais e a vista de me vender... - A você nem por um milhão, respondeu Seu Bastos, de cara amarrada!

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