segunda-feira, 2 de abril de 2012

A paixão por carros


Quem poderia esquecer aquela tragédia. Edmundo entrou com tudo na curva da praça. Aquilo era comum entre os caminhoneiros, sempre abusavam naquela curva descendo a Rua de Itabaiana. Mas naquele dia a cidade calou com tamanha calamidade. O carro ainda derrubou o muro da casa de Vado. Cleidinaldo que escapou fedendo de um acidente num bugre dirigido pelo primo rico na estrada de Carira morreu sob toneladas de madeira também faleceu Jorge do Relojoeiro e outro menino filho de Zacarias. Josinaldo ficou gravemente ferido.
O tempo foi longo para esquecer essa tragédia, somente outras que se sucederam. Nego Rico caminhoneiro tarimbado sofrera um acidente de caminhão e amargou anos de reclusão sobre uma cama. Ele era irmão de Edmundo e Tita, ambos também caminhoneiros. A intrínseca relação com caminhões sempre resultou em muitas perdas, se fosse para citar os que tiveram suas vidas ceifadas em acidentes na Rio Bahia, eu ocuparia todo o texto desta singela croniqueta. Mas alguns nomes não podemos esquecer, como Duger, em plena flor da juventude, Aguinaldo, Carlos de Regener,Tonho de Pequeno, Buchinha, Zé Onofre e tantos outros.
Zé Onofre era dono do único posto de gasolina da cidade naquela época. Um dia ele vendeu seu posto e comprou um caminhão Mercedes Benz, conhecidos nas estradas como boiadeiro, É aquele que possui uma gaiola para o transporte de gado. Era comum esse trânsito de boi para o estado de Minas e isso gerava renda para os caminhoneiros . Ele morreu em um grave acidente ao bater com uma carreta carregada de betume. O incêndio queimou a todos e seu corpo voltou a Frei Paulo carbonizado, foi uma tristeza muito grande para a cidade.
Também vimos João Tandola dirigindo uma caçamba, despencar em um precipício na Serra Redonda e após dezenas de capotagens sair incólume, e continuar dirigindo alucinadamente durante a construção da BR 235 que corta Frei Paulo. Outro chofer afoito que fez história foi Zé de Carmem que transportava nossa turma em passeios para a Ribeira , Rio das Pedras e Poço das Moças. “Quando ele bebe dirige melhor ainda”, inventaram esse mito. Ele também levava grupos em seu caminhão para assistir partidas de futebol no Batistão.
A paixão por caminhões e carros sempre esteve associada a mortes e mutilações. O primeiro automóvel de Frei Paulo foi trazido por Totonho Mulungu, era um V 8, sucesso principalmente à noite com os faróis da fobica acesos. Isso aconteceu num tempo que nem se sonhava com energia elétrica. Lá pelos anos 50. As ruas eram iluminadas com lampeões à querosene que logo eram apagados e as casas luz de candeeiro. Depois vieram as empresas de ônibus. A primeira marinete quem trouxe foi Josias Tabaréu . Diógenes também era dono de uma delas antes de fundar o seu bar “O Exato” que ficava ali onde hoje funciona o Banese. Motoristas como Mané de Lunga, cuidadoso e responsavel brincam com seus netos. Os afoitos provocam tragédias, em Frei Paulo foram muitas.
Muito antes de pegar num carro e dirigir, fui piloto de carroça na feira , sendo um dos preferidos pelas velhinhas, rápido, barateiro e respeitador. Clientela garantida. Melhor do que carro de ladeira a caminho do tanque.Descendo todo santo ajuda. Naquele dia eu e o galego de Ranulfo,estávamos radiantes. Ele obcecado por carro, conseguia deixar qualquer um brilhando em troca de uma voltinha que fosse. Eduardo era muito esperto e sabendo dos planos de Abdias o relojoeiro, então partimos para o ataque. O velho não sabia dirigir e estava em transe, feliz da vida com seu novo brinquedo.
Abdias passava o dia em sua relojoaria com aquele mine telescópio nos olhos consertando relógios de corda, sua renda era boa e a noite com um violão participava com muito fervor dos cultos evangélicos da Igreja Presbiteriana na Rua de Itabaiana. Era ele também o pai de Zé da Tampa, Maria e Conceição. Um crente atuante, exemplar que não escondia sua paixão pelos automóveis. Se isso é pecado, ele não resistiu à tentação. Com o dinheiro apurado na indenização pela morte do filho, comprou aquele TL cinza e chamou logo quem para assessoria, eu e o galego de Ranulfo.
A primeira viagem foi para Itabaiana, Eduardo ao volante seguindo de pé embaixo rumo à terra da cebola. Lá chegando fomos para a feira e depois passear na periferia com aquele TL tinindo, quase novinho. Quando paramos ali próximo ao Estádio Presidente Médice, era chegada a tão sonhada hora de assumir o volante, fui logo abrindo a porta. Neste momento ia passando um caminhão e levou a porta do TL, foi horrível Abdias ficou fulo e não parava de falar mal da gente. Em instantes seu sonho estava desfeito. O TL estava todo empenado. Depois que comentamos isso, disseram que foi um castigo, Deveria ele segundo o povo, ter feito a carneira do filho.

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