terça-feira, 17 de abril de 2012

Cidalha, Matetê e Batatinha...


Cidalha era um homem com trejeitos afeminados, mas que conservava os hábitos rudes dos homens do campo. Morava na cidade, mas não abria mão da labuta diária na roça onde cultivava feijão, milho e algodão. Vestia-se com suas roupas simples e usava um pequeno chapéu de couro na cabeça. A voz era fina e ele por qualquer motivo fazia estardalhaço. Mas Cidalha, que passava o dia inteiro na lida, ao retornar para sua casa que ficava no beco da Bodega de Zé Fuliá, vinha quase que rastejando. Como um castigo, a partir das 5 da tarde, ele era acometido de uma terrível dor nas costas, que o obrigava a andar daquele jeito, curvado, quase ralando as narinas nos paralelepípedos da Rua de Itabaiana.
Aos sábados era visto na feira com um caldeirão na mão comprando carne e proseando com os feirantes. Era uma figura festejadíssima, muito alegre, onde quer que chegasse. Mas era uma espoleta. Bastava triscar, ele perdia as estribeiras e por horas reverberava, rodopiava, dava um show. Os moleques por isso, não o deixavam em paz. Como ele, haviam outros que eram alvo da moçada, uma senhora bem velhinha que morava na Rua de Itabaiana também tinha o costume de esbravejar quando seu apelido era pronunciado: “Matetê”. Ela ficava transtornada e com o cacetinho que usava para se locomover, já bem velhinha, corria e tentava bater nos velozes moleques. Estes sempre ávidos por perversidades com os mais vehos. Raça ruim essa!
Frei Paulo era um palco ilustrado, onde sempre desfilou figuras antológicas, dentre elas faço questão de destacar Batatinha, o curador de cobras. Era uma figura mística, baixinho, manhoso, viciado nas cartas freqüentava o reservado do bar de Zé Pequeno e o dinheiro que ganhava dos fazendeiros com seu bizarro ganha pão, gastava no pôquer que entrava pelas madrugadas. Ele passava dias e dias jogando e não saia nem para urinar. Tinha uma garrafinha onde ali mesmo na mesa atendia suas necessidades fisiológicas.
Ele chegava a Frei Paulo e passava longas temporadas hospedado na pensão de D. Zefa. Descia dos caminhões pau de arara e cruzava a cidade com uma velha mala de couro onde transportava dezenas de serpentes. Outro dia o flagrei chorando na praça com uma cobra morta na mão, perguntei o que era, e ele com os olhos rasos d’água começou a falar:
- Meu filho, hoje é o dia mais triste de minha vida. Perdi Florisbela. Essa cobra era tudo pra mim, onde eu vou achar outra “maia de sapo” sabida igual a ela? Essa cobra já me deu o dinheiro de comprar uma fazenda.
Chorando copiosamente enterrava a serpente na areia debaixo do pé de fícus. Depois soltou um bocado de cobras ali mesmo e elas tomaram direções diferentes. Em instantes ele começou a emitir com a boca assovios e ruídos esquisitos e as serpentes começaram a voltar todas para a velha mala, fiquei impressionado com aquilo. Ele era um exímio adestrador de cobras e tinha como profissão, curar pastos. Os fazendeiros que tinham reses mortas por picadas de cobra contratavam seus serviços; era na verdade um golpe nos coitados.
Ele chegava ao pasto, soltava suas cobras adestradas, depois de rezar, emitia sons esquisitos e as serpentes vinham para sua mala. Depois cobrava pelos serviços informando ao fazendeiro que seu rebanho estava a salvo, pois, dali havia retirado todas as cobras venenosas de sua fazenda. E eram muitas. Dizem que ele retirava o veneno das serpentes e as condicionava. Essa era sua profissão, curador de cobra. O unico que conheci até hoje. Ele percorria diversas cidades até mesmo de Alagoas, Pernambuco e da Bahia. Tempos depois, chegou à cidade a notícia de sua morte. Batatinha havia morrido já velhinho. Teria sido picado por uma jararacuçu que ele começou a criar.

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