sábado, 21 de abril de 2012

Um choque cultural

Poucos acreditavam que iriam asfaltar a estrada que corta Frei Paulo, a conhecida BR 235, mas um dia, o que era apenas um sonho começou a virar realidade. A cidade sofreu um choque cultural sem precedentes. De uma hora para outra fora invadida por homens e máquinas causando uma mudança radical na vida dos freipaulistanos. O escritório da construtora Odebrecht ficava bem atrás do cemitério. Com a chegada de centenas de novos moradores vindos de diferentes pontos do Brasil, instalou-se uma onda de euforia e deslumbramento para o comércio local que passou a faturar mais. Por outro lado as moças da cidade passaram a se apaixonar pelos visitantes. Muitas delas, cairam na lábia e perderam sua virgindade, com peões corredores de trecho que sumiram, do mesmo jeito que apareram na pequena e bucólica província. Foi uma total subversão dos valores culturais locais. Se por um lado foi ruim, por outro foi muito bom, alguns dos peões estabeleceram-se de forma definitiva na cidade. Tudo começou com a chegada de uma subsidiária chamada Comprol, que era de Recife e fazia os trabalhos de topografia. A turma ficou em uma república bem em frente a minha casa na Rua Floriano Peixoto, antigo Beco do Talho. Na casa que pertencia a Ana e Tonho de Dalila, o casal naquele período haviam se mudado para Aracaju. A casa sítio de Seu Luizinho na Avenida José da Cunha, também fora alugada para acomodar os trabalhadores. Foi um tempo muito interessante, e eu me tornei um piolho de cabine, passava o dia nas caçambas pra cima e pra baixo, correndo trechos da estrada, assisti do começo ao fim, e fiz muitas amizades com os nossos visitantes. Havia os que pilotavam tratores muito grandes, conhecidos como Moto Scraper, responsáveis pela terraplenagem, eram gigantes empurrados pelos enormes tratores D-8 Caterpillar. Passei a entender de estradas como ninguém. Por um bom tempo, alimentei a esperança de me tornar engenheiro civil e viver a vida como aqueles peões, construindo estradas por esse Brasil afora. Mas quando descobri que engenharia estava intrinsecamente ligada à matemática, desisti. Lembro de cada um dos amigos da época: Expedito, Honorato, Paulo Mecânico, Luis Caçambeiro, Zé Priquitinho, apontador, João Come Longe, Rasga Magra, Jorge Bafafá, Costinha, Coutinho irmão de Cisso, Job, Zé Costa e Belos Olhos. Este usava um olho azul postiço que quando caia na lama ele sempre dava um jeito de recolocar. Havia também o casal Guerrinha e Vandica, ela era uma velha índia, bem magra. Já eram conhecidos por fornecer alimentação aos trabalhadores em outras obras por esse Brasil afora. Eles montaram um restaurante para servir a peãozada vizinho à casa paroquial. Guerrinha morreu em Frei Paulo, ele fumava muito e isso o levou para a cova. Vi seu atestado de óbito e a causa mortis apontava: insuficiência respiratória. Naquele tempo, eu também fumava, era comum entre os garotos de minha geração fumar cigarro, não se tinha conhecimento dos malefícios do cigarro e as propagandas na televisão eram um apelo quase irresistível. Foi um tempo de prosperidade para a economia de Frei Paulo, pois a construção da estrada gerou muitos empregos para os freipaulistanos e incrementou as vendas no comércio local. Mas muitos perderam a vida nos inevitáveis acidentes que aconteciam envolvendo máquinas e caminhões, foram muitos. Anos se passaram e a estrada foi concluída, e toda aquela gente estranha foi embora, cada um tomou seu rumo. A rotina foi retomada aos poucos, quase sem ninguém perceber. De obras faraônicas como aquela, ninguém mais na cidade ouviu falar. A calmaria foi aos poucos sendo restabelecida, com Bigodão da Energipe, sendo responsável pelo fornecimento de energia elétrica e Zé Vermelho da Deso, pelo abastecimento de água da cidade. Aos poucos tudo voltou à sua normalidade.

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