segunda-feira, 16 de abril de 2012

O iconoclasta do sertão


Rosendo de Catita talvez tenha sido o tipo mais folclórico de Frei Paulo. Eu e Sergio de Zé Pequeno fomos visitá-lo na Chã, quando ele repousava em seu leito de morte. Morte essa que ele conseguiu enganar por muitas décadas, apesar da vida decrépta que sempre levou. Ele era uma figura tosca que perambulava pelas ruas, mas era cheio de filosofias e conversas que deixavam os populares de queixo caído. Vestia-se com roupas esquisitas, e sempre maltrapilho contradizia a tudo que poderia se considerar uma vida normal. Cansei de ver ele na avenida, no tempo de chuva bebendo água nas poças, aquela água amarelada do barro do sertão que deixava sua longa barba branca com aquela coloração amarelada. Dormia em qualquer lugar, na sombra das arvores, no oitão da igreja onde soprava um vento frio dos pólos. Ele apesar dessa vida louca, tinha uma mulher, era conhecida por Catita, dela não tenho qualquer lembrança.
Seu nome era José Rosendo dos Santos, até hoje ninguém sabe exatamente sua origem, mas no passado ele costumava chegar em Frei Paulo montado em sua bonita besta pedrez. Era uma besta esquipadora, é tanto que virou bordão na cidade, Quando se queria fazer chacota com alguém muito apressado, dizia-se: “Você esquipa que só a besta de Rosendo”
Certo dia ele chegou para as pessoas e disse que seu nome a partir de então, seria Rosendo Lobo e não dos Santos, numa referência aos lobos guarás que freqüentavam os canaviais. Ele além de beber desbragadamente, gostava de gastar seu tempo fazendo desconcertantes apologias da cana. O alambique de seu Antônio de Germino era roteiro certo de suas andanças. Quando alguém dava pitaco ele prontamente retrucava: “Bebo o dinheiro é meu e não é da conta de ninguém” ou ainda recitava nos becos e vielas, quadrinhas do tipo; “Bebe o rico na fazenda pra não dá o que saber, bebe o pobre no trabalho, escondido pra ninguém ver. Em qualquer ocasião, pra quem tem educação beber não é defeito não”
Aonde ele chegava tinha uma história interessante e platéia é o que não faltava para ouvir suas lorotas, por sinal sempre criativas e originais. Outro dia narrou ele:
“Eu vinha de Ribeirópolis e quando cheguei na Serra Redonda, apareceu um homem de fino trato, todo elegante e sorridente. Então lhe perguntei: Quem é vosmecê?
- Meu nome é Satanás.
-Satanás, o fute, Belzebu?
-Ele mesmo em pessoa.
-E o que faz você por aqui?
Ah, eu venho aqui na terra para ajudar as pessoas, estou sempre à disposição do povo, ajudando as pessoas, não sou aquilo que pensam de mim.
-Como? Não entendi.
-Por exemplo, agora você quer ir pra Frei Paulo né? Pois suba na minha cacunda e deixe comigo.
Meio desconfiado subi na cacunda do bicho e ele imediatamente começou a voar, vi que já estava longe da cidade e pedir para descer, o bicho começou a rodar e nada de me soltar, quando ele ia passando perto do cruzeiro da igreja eu disse me deixe perto da cruz. Quando falei a palavra cruz ele tomou um susto e me largou no pé do cruzeiro, foi a minha sorte. Se alguém não acredita no que digo, pergunte ao finado Zé Porta Rasa” O livro de minha avó D. Mizinha, com riqueza de detalhes, conta essa e várias outras historias protagonizadas por Rosendo. Um dia ele estava mijando no alpendre de uma casa e Dona Anáide ao se deparar com aquela cena gritou: “Vai mijar na sua casa seu filho de uma égua” e ele respondeu “Coincidência... Por falar em égua me lembrei de sua mãe.” Quando Antônio de Germino foi tomar satisfação ele tirou de letra, alegando que não se lembrava de nada daquilo. “Meu lema é não discutir, principalmente porque das cachaças que já bebi a melhor é a do alambique Ibiracema”.
Rosendo era um sujeito avesso ao trabalho, nunca trabalhou na vida , segundo contam os mais velhos, alguns chegavam para ele e perguntavam: Rosendo você não tem vontade de trabalhar?
-Às vezes me dá uma vontade louca de trabalhar, então eu procuro um canto e fico quietinho esperando a vontade passar. Certa feita, um avião teco teco entrou em pane e fez um pouso forçado na avenida. Ao se deparar com a aeronave Rosendo teve uma atitude intempestiva, ninguém conseguiu conter sua fúria, e com uma foice quase que destruiu completamente a aeronave, fez um grande estrago no avião, causando a seu proprietário um grande prejuízo. Era um sujeito muito diferente, um iconoclasta das plagas sertanejas, misteriosamente viveu por mais de um século, era um tipo inesquecível que tive o privilégio de ser contemporâneo.

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