quarta-feira, 18 de abril de 2012

A terapia de Zé Barbeiro


A barbearia de Zé Barbeiro era freqüentada por muitos freipaulistanos. Ele era um homem que tinha paixão pelas caçadas e pescarias e tinha também como hobby, criar passarinhos. No seu local de trabalho, um salão não muito grande na Rua Itabaiana, era cheio de gaiolas penduradas no telhado. Era viuvinha, canário da terra, cabeça, chupa capim, sofrer e um imponente passo preto. Ele cortava o cabelos, fazia a barba e entabulava uma conversa empolgante com o cliente. Muitos procuravam Zé Barbeiro ainda com o cabelo curto, somente para ter o pretexto de conversar com ele, enquanto ouvia a sinfonia dos pássaros. Era pura terapia, um momento de relaxamento. Lembro da cadeira, do envelhecido espelho e até da fragrância dos cremes de barbear. Qualquer pausa lá estava ele na calçada às voltas com suas gaiolas soprando o alpiste, limpando e trocando a água.
Ostentava uma cabeleira branca e que se projetava ondulada para o alto da cabeça, o seus rosto tinha a maior coleção de rugas que já se viu. Apesar da idade avançada, era muito ativo e sua diversão favorita era pescar traíras no Tanque de Beber. Ele ficava em silêncio absoluto, concentrado na vara de bambu subindo e descendo a isca vagarosamente. Costumava usar como isca, uma piaba cuidadosamente escolhida entre as pescadas com o gué. Era como se chamava o minúsculo anzol, onde com bolinhas de pão se pescava piabas. Também Zé Barbeiro às vezes rumava em direção ao açude em longas caminhadas e sempre voltava com seu peixinho na capanga.
Meu pai me levava sempre para ele cortar meus cabelos, ele me colocava sobre uma velha maleta para obter a altura ideal, então ele quase raspava minha cabeça, deixava só aquele pequeno topete de soldado raso. Com uma máquina manual que acionava com os dedos, de vez em quando a máquina mordia o couro cabeludo e as lágrimas desciam. Mas eu chorava era inconformado com aquele corte, eu detestava pra falar a verdade, mesmo porque a moda eram os cabelos longos. Ele sempre resmungava reclamando de meu silêncio e de minha cara amarrada. As lágrimas deciam em profusão quando olhava para o chão e via minha linda cabeleira negra e brilhante indo para o lixo.
Como de médico e louco cada um tem um pouco, Zé Barbeiro, não se fazia de rogado e também aplicava injeções, havia sobre a base de mármore uma pequena caixa metálica com seringas de vidro e agulhas. A própria caixa virava uma espécie de estufa quando aquecida com álcool. De vez em quando, alguém se aventurava a receber suas injeções. Nunca recebeu instrução para tais procedimentos, fazia isso como um prático. Isso nos dias de hoje seria inaceitável.

Cada caçada , cada pescaria era uma nova conversa na cadeira terapêutica de sua barbearia. Era um local freqüentado por muita gente, pois ali mantinha um tabuleiro de damas onde os freqüentadores após os cuidados com a beleza, se deleitavam em acirradas disputas com exímios jogadores. Não havia apostas era só brincadeira, a dama ficava o dia inteiro à disposição dos clientes da barbearia. Ao redor uma platéia de torcedores tinha que assistir a todas as jogadas sem dar palpite. Ai daquele que se metesse na disputa, Zé Barbeiro ficava furioso e com sua voz grave chamava a atenção do peru. Se esse insistisse ele expulsava de seu estabelecimento. Quando alguém tomava um porco a mangação era geral. Assim o tempo passava sem ninguém se dar conta.
Outra coisa que ele gostava era de caçar nhambú e com sua espingarda de feixe, percorrer as matas ao redor do açude Buri e quando dava sorte trazia algumas aves para o almoço da família. Ele assim como muitos em Frei Paulo gostava das caçadas, por isso acabaram dizimando as aves. Outro dia o assisti dialogando eloqüente com seu costumeiro sorriso. Enquanto fazia a barba de Seu Gumercindo, começou a falar sobre a escassez das aves em nossa região. E aquele senhor falava que na sua época, havia fartura de nhambus, perdizes, nhampupés e rolinhas nem se fala. Zé Barbeiro ouviu atentamente o comentário enquanto passava a navalha no rosto do homem, dava até para escutar o barulho da lâmina da navalha escorregando na sua barba cerrada. Zé Barbeiro suspirou e fez esse comentário: “Deu uma murrinha e acabou tudo, boto pó?”

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