sábado, 25 de fevereiro de 2012

Seu Hilarino , antes de tudo um patriota


Na minha terra natal, sempre se honrou as datas. O calendário parecia congelado naquele instante de minha vida em que tinha apenas 13 anos. Fome de conhecimento e de livros, eles foram isolados por uma política anticultural, talvez, fruto da ditadura militar. Isso aconteceu no Educandário Imaculada Conceição onde me iniciei nas primeiras letras. Naquele local que fora transformado em sala de aula, as professoras adotavam métodos educacionais, digamos assim, meio ortodóxos. Coisas do tipo, colocar de castigo diante de uma parede, e as enfadonhas sabatinas. Nestas rodadas de perguntas sobre temas como geografia e ciências,português e matemática, terminavam em bolos e mãos inchadas e no humilhante ajoelhar-me sobre grãos de milho.
Fizeram o absurdo de esconder os livros da rica biblioteca do Educandário, onde constavam obras primas como Fernão Capelo Gaivota e Róbson Cruzué,autores como Dante e Shakespeare,Augusto dos Anjos, Drumond, Bandeira e etc. O patriotismo imperava na cidade e homens como Seu Hilarino, conservador por natureza, nacionalista de carteirinha e adepto da Arena. Partido que abrigava o que havia de mais retrógrado na política sergipana, fora bem votado e eleito vereador.
Hilarino era um homem, cujo pragmatismo, estrapolava as raias da perfeição. Esposo fiel e dedicado a D. Caçula e aos filhos Zé Carlos, Toninho e Paulinho. Morava numa casa bem confortável na rua do Cinema. Era um homem que impunha respeito, pela sua conduta ilibada. Foi matraqueiro da Igreja Católica e o fogueteiro oficial da cidade de Frei Paulo. Ele arriscava a vida, num show pirotécnico alucinante, por ele mesmo elaborado com explosivos de alto teor. Preparado com melindroso planejamento para o sete de setembro e festa do Senhor São Paulo.
Uma certa vez, num sete de setembro , vi ele sobressaltado correndo alucinado entre estampidos, escapando fedendo das perigosas séries explosivas planejadas com muita competência por esse abnegado mártir que ele era. E boicotado por um grupo formado por mim, Escorrego, Bento de Diógenes, Airton de Nicinha e outras pecinhas do mesmo quilate. As alvoradas regadas a explosões e pipocar de foguetes carregados de cargas de bombas "de dicuri" e "bombas de respostas", aconteciam no dia 2 de julho na Festa de São Paulo. O padroeiro querido e milagroso, cantado com devoção nas procissões. As 5 da manhã lá estava seu Hilarino munido com um tição de fogo provocando um espetáculo pirotécnico de rara beleza.
De plantão no local, a molecada para catar bombas que teimavam em não explodir. Uma brincadeira pra lá de perigosa que já custou dedos arrancados. As bombas "de dicuri" são como pequenas granadas e as "de resposta" podiam até matar uma pessoa. Alheio ao perigo,catavamos elas no meio da fumaceira, algumas ainda fumegantes prestes a explodir. Em seguida retirava-se a pólvora para utilizar em ronqueiras ou para fabricar "bombas de parede"
Ele um dia se aproximou de mim , que tinha a má fama de moleque, aliás o pior moleque de São Paulo Moleque, com um portifólio de presepadas inomináveis. Ele resolveu assumir a impossível tarefa de me transformar num menino normal. ” Vou fazer de você um homem” disse ele iludido e esperançoso. Em sua frente a partir daquele dia me transformei em um santo, tudo com o firme propósito de demonstrar a ele minha regeneração. Mas não demorava muito entrava numa ou outra monumental enrrascada. E os comentários não paravam: “ O Fio de Helena botou um gato na geladeira”, o Fio de Helena tocou fogo na serra” “O Fio de Helena jogou sabão em pó na cisterna” O fio de Helena soltou um gato da torre da igreja com um paraquedas feito com o lenço da irmã. O pior, é que eles estavam certos. Naqueles dias a cidade fora assolada por uma praga de sapos.

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