terça-feira, 1 de maio de 2012

O cântico dos penitentes

Sou de um tempo em que a Sexta- Feira da Paixão era dia Santo mesmo. Em Frei Paulo nesse dia parava tudo e em clima de muito respeito e silêncio absoluto acompanhávamos a procissão de Senhor Morto cruzar as ruas e praças da cidade. Era um cortejo fúnebre. Na frente Seu Elpídeo solenemente conduzia a cruz, e um pouco atrás a imagem do Senhor Morto transportado em andor sob uma cobertura lilás. Ouvia-se o silêncio das pisadas. Aquele silêncio sepulcral, que era quebrado tão somente pela revolta das matracas. Era um clima de muita comoção e respeito, todos os bares fechavam e ninguém se atrevia a beber nem sequer um cálice de vinho. Era um espetáculo taciturno, mas revestido de muita beleza. Orações sem muito alarde. Pode-se dizer que o silêncio predominava nesse pomposo cortejo. Depois da procissão a imagem do senhor morto que durante todo o ano jazia por trás de um vitral, é depositada no altar. Até as dez da noite era visitada pelos fieis que beijavam os pés da imagem e do lado deixavam suas ofertas. Até mesmo o timbre da voz do padre João Lima mudava durante a celebração das missas nesse período. A fé e a religiosidade em Frei Paulo é algo inerente à própria cultura do povo. Dos povoados multidões se formavam para vivenciar esse período da páscoa. Com suas diversas manifestações sagradas e profanas. Muitos vinham se confessar e acompanhar os rituais sagrados da semana santa. A meia noite os penitentes adentravam a igreja gerando um grande suspense. Essa tradição em Frei Paulo sempre esteve muito viva e ligada ao sincretismo religioso local. Todos os anos, no período da Quaresma, entre a Quarta-feira de Cinzas e a Sexta-feira da Paixão, alguns fiéis realizam o ato da penitência. Esse grupo, chamado de Penitentes, veste-se com lençóis brancos e percorrem várias igrejas, cruzeiros e o cemitério da cidade, rezando pelas almas dos mortos. Os Penitentes são divididos em dois grupos: os Alimentadores de Alma, que fazem orações pelas almas e chacoalham um instrumento chamado de matraca; e os Disciplinadores, que durante o ato de penitência se martirizam com chicotes providos de lâminas na ponta, causando cortes por todo o corpo, derramando sangue, com o propósito de reduzir os pecados. Eles geralmente saiam da Serra Redonda e vários pontos eram visitados, o cemitério, o açude, os cruzeiros e capelinhas de diferentes pontos do município, em apenas uma noite eles percorriam tudo isso a pé. Muita gente até hoje tem muito medo dos penitentes. Mas poucos procuram entender o sentido de seus rituais. Em Frei Paulo alguns deturpavam essa tradição e iam ao encontro deles para provocar os religiosos e estes sempre reagiram com violência com esses baderneiros. Usando para isso seus chicotes purificadores isso também faz parte da tradição. A Procissão dos Penitentes que remonta à Idade Média é uma manifestação que tem se afirmado pelas suas singulares características, Os anos passam e essa tradição se torna cada vez mais viva e conta com a adesão de muitos jovens de Frei Paulo, estes sempre preocupados em manter o sigilo de seus rituais religiosos. Os penitentes se reúnem todos os anos para rezar e entoam cânticos tristes. Vestidos em suas mortalhas brancas trazem sempre na mão seus chicotes e cantando seus “benditos”; hora somente com suas vozes; hora acompanhado por tristes toques da zabumba e pelas ruidosas matracas. Esse sempre foi o solene, melancólico e respeitoso cântico dos penitentes

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