terça-feira, 15 de maio de 2012

A Calçada Alta


Os carros de ladeira marcaram época na minha infância, eram feitos de madeira e alguns mais sofisticados, tinham o designer que lembrava os Sincas Chambord ou os Aero Willys, com rabo de peixe e tudo que tinham direito. A concentração era sempre na Calçada Alta. A turma chegava com seus carros e tomávamos aquele atalho no sítio de Paulo Matos e em frente à malhada de Quebra Santo era a largada. A descida durava pouco mais de um minuto, mas era emocionante, alcançávamos velocidades incríveis e eram possível algumas manobras. Bastou um olhar malicioso de Falti e os modelos, já equipados com rolimans, quebravam a barreira do som. A arriscada manobra de retomar o atalho do sítio de Paulo Matos resultava em capotagens espetaculares. Com direito a pés espetados nos espinhos do juá ou da magestade o mandacarú. Quando lembro sinto calafrios.
Essa vereda é a ladeira mais íngreme de Frei Paulo e também era rota dos burros de carga e do gado que migrava de uma fazenda para outra. Esse manejo com o gado está ligado à escassez de alimentos provocado pela seca a qual nos acostumamos a conviver com ela.
Alheio aos dramas vividos pelo gado pensava apenas em nos divertir. A volta era sempre penosa, esta sim era um sacrifício subir a ladeira até o topo para desfrutar de nova corrida. Era um vai e vêm incessante somente interrompido pelas boiadas ou comboios de burros, esses eram constantes transportando cachaça do alambique. As manhãs e as tardes passavam como um raio, mal dava conta do tempo e o crepúsculo nos envolvia com meus milhares de tons alaranjados no apocalíptico espetáculo do cair da tarde. Revoadas de briós e vira-bostas passavam sobre nossas cabeças e tomavam o rumo do tanque de Seu Silva.
Antes de cessar a brincadeira já cansados voltávamos para a Calçada Alta e ali, sugeriam uma ida até o Tanque dos Cavalos, somente aquelas ovelhas desgarradas topavam a empreitada. Muitos hesitantes olhavam a ladeira e balançavam a cabeça. Meninos comportados voltavam para suas casas e o outro bando seguia para as algazarras e aventuras nas águas barrentas. Salto ornamental do topo da baraúna causava emoções fortes. A turma era da pesada Bento de Diógenes, Airton de Nicinha, Escorrego, Beto de Joaninha, Galego de Ranulfo, Bufa, Geraldo de Mané Bomzinho, Celso de Zé Pequeno, Tarzan, Geraldo de Zé de Donozor, Dudú, Sérgio de Batista, Dailton, Galego do Tanque, Walter de Zezé Barbeiro, Gilmar de Dezinho entre tantos outros.
Na volta para casa, preocupação em tirar o aspecto fubambento da pele, resultante daquela mistura de leite, óleo de motor e lama. Nova reunião na Calçada Alta definia o que se faria de noite. Os que estudavam apareciam em turnos vespertinos outros vivenciavam o dia inteiro as incansáveis brincadeiras, “Mãozo”, “Pé em Barra” e outras mais pesadas como “Estados Unidos” Nessa podia-se dar tapas bem forte na cara de quem sentar-se sem falar a palavra passe: Estados Unidos. A Calçada Alta pertencia à casa colonial de Helena de Senhor de Cazuza, apesar da barulheira, nos tolerava em seu histórico oitão.
Dali da Calçada alta a vista é privilegiada, o grupo entre brincadeiras contemplava a maravilhosa paisagem, de lá dava para ver o açude serpenteando distante, e as cadeias de montanhas que cercam Frei Paulo, Uma vista tão linda que inspira aos poetas e seresteiros, esses artistas sob a proteção do Senhor São Paulo mais tarde entrariam em cena, enquanto nós meninos enfadados, fartos de alegria, em sono pesado e profundo, sonhávamos inocentemente com novas aventuras do novo dia que nascia.

Um comentário:

  1. Muito boa essa lembrança, da calçada alta..já passei muito por ai!
    Ola! sou seu conterrâneo, tenho um blog de poesias.se puder dá uma passada lá, estou te seguindo. abração!!!
    http://o-maquinario.blogspot.com.br/

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