terça-feira, 22 de maio de 2012

A alegria dos tizios


"Não os vejo há muitos anos, eles são lindos. Mas lembro-me muito bem” Assim se referiu uma adorável amiga freipaulistana, de priscas eras, ao comentar uma frase que cunhei em uma página das redes sociais. Seu nome Ilza Santos, uma moça que para mim tem aquele mesmo rostinho que vi pela última vez há mais de trinta anos. Guardo sua telúrica imagem vestida com as roupas do ginásio Cônego Madeira passando fagueira pelas ruas, diligentemente com seus livros nos braços na doce companhia das amigas, num tempo que suas mais ousadas intenções eram tão puras como a luz da manhã.
A cidade tinha outro ritmo, mas tudo nos levava a uma dimensão grandiosa. O Mercado na Praça da Feira exalava seu cheiro de verdura e carne e as pessoas que habitavam aquele mundo que agora parece pertencer a um romance como os de Garcia Marques, reverberavam por todos os becos ruas e esquinas. O pai dessa moça passava em sua bicicleta, desviando das poças, de forma cortez a cumprimentar seus patrícios.(como se a água agora não fosse a coisa mais importante do mundo) Seu nome era Zé Vermelho ou “Vermelhaço", era um dedicado funcionário da Deso que ganhou esse apelido pelo aspecto corado de sua face.
Frei Paulo não tem ninguém que não seja de ninguém, os apelidos e filiações aos ancestrais, é algo curioso que não costumo ver na neurose do dia a dia estressante da vida urbana. Aqui ninguém é de ninguém. Pra falar a verdade preferia mil vezes aquele mundo. Nele não só havia a riqueza de amizades sinceras e verdadeiras, e ainda a natureza nos brindava com espetáculos maravilhosos. Vivendo num mundo sem grandes ilusões, mesmo castigados a maior parte do tempo pela seca cruel que nos impunha tanta dor e fome. Os cenários eram desoladores, paisagens mortificadas pela inclemente insistência do astro sol, um armagedon da vida e da morte. E que aventura é viver. E que incerteza é morrer.
Toda vez que sinto cair do céu os pingos da chuva, lembro que algo se transforma dentro de mim. A minha memória me remete às lindas paisagens dos tanques sangrando,dos sapinhos de rabo nos córregos, do preguiçoso gado gordo nos pastos. Recordo com saudade da alegria contagiante dos pássaros doidos no ceu cinzento, atonitos de tanta felicidade e tanta fartura. Começo a sonhar, e volto aos caminhos do açude, é como se reconstituísse cada passo, cada cheiro e cada sensação. É algo que com palavras parece impossível descrever. Algo diferente acontece dentro da gente, numa manhã de inverno no sertão. Em meio às extensas capineiras, de onde brotam voluntariosos pendões carregados de sementes, dezenas de tizius brincam em vôos desconcertantes e ousadas acrobacias, num festival de contentamento e alegria jamais visto.
É assim que me sinto, exatamente como os tizius, hora preto hora pardo, tento me livrar das pedradas da vida. Mais feliz ainda, quando uma frase como essa de Ilza, ou até mesmo a simples palavra tizio, remete para o meu mundo perdido no tempo e no espaço. É como se a natureza tivesse em mim completando mais um ciclo. Dando-me a gratificante oportunidade de reviver, ao lado de meus contemporâneos, meus inesquecíveis idos e vividos. Esses na sua exata dimensão.

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